EPAMIG lidera pesquisa em cafeicultura e busca soluções para os desafios climáticos e de sustentabilidade em Minas

Para apresentar um panorama dessas ações, o DIÁRIO conversou com Marcelo Ribeiro Malta, pesquisador e atual Coordenador do Programa Estadual de Pesquisas em Cafeicultura

 

DA REDAÇÃO – Minas Gerais, o maior estado produtor de café do Brasil, concentra iniciativas de pesquisa e inovação voltadas para a melhoria da produtividade, da qualidade e da sustentabilidade da cafeicultura. Um dos protagonistas desse trabalho é a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), instituição pública vinculada ao Governo do Estado, que há mais de 50 anos desenvolve soluções para o agronegócio mineiro.

Atualmente, a EPAMIG concentra esforços em programas estratégicos para a cafeicultura mineira, envolvendo desde o desenvolvimento de novas cultivares até tecnologias sustentáveis para o manejo e a adaptação das lavouras às mudanças climáticas.

Para apresentar um panorama dessas ações, o jornal conversou com Marcelo Ribeiro Malta, pesquisador e atual Coordenador do Programa Estadual de Pesquisas em Cafeicultura da EPAMIG. Ele detalha as principais linhas de atuação da instituição e as contribuições diretas para os cafeicultores de Minas.

 

Quais são atualmente as principais linhas de pesquisa em cafeicultura desenvolvidas pela EPAMIG em Minas Gerais?

 

Nossa instituição desenvolve um programa abrangente de pesquisa em cafeicultura focado em áreas estratégicas. Primeiro, trabalhamos intensamente com mudanças climáticas, onde não só desenvolvemos variedades adaptadas ao calor e à seca, mas também estudamos como o cafeeiro responde ao déficit hídrico em diferentes sistemas de cultivo, incluindo os arborizados.

Na área de sustentabilidade, além das práticas tradicionais, estamos desenvolvendo tecnologias visando menor impacto ambiental e investigando formas de reduzir custos para agricultura familiar. Nosso banco de germoplasma, com mais de 1.500 materiais genéticos, é uma fonte valiosa para o desenvolvimento de novas variedades com caraterísticas agronômicas de interesse como cultivares tolerantes ao déficit hídrico.

 

No melhoramento genético, já alcançamos resultados expressivos com cultivares de café que combinam alta produtividade com resistência a doenças e alta qualidade de bebida. E na biotecnologia, avançamos com técnicas de cultura de tecidos e embriogênese somática, que aceleram o processo de melhoramento.

A EPAMIG, por meio do seu Programa Estadual de Pesquisa em Cafeicultura, atualmente concentra seus esforços em várias frentes estratégicas de pesquisa no café em Minas Gerais. Algumas das principais linhas de investigação em cafeicultura são:

  1. Mudanças climáticas e adaptação

Avaliação de genótipos de café sob déficit hídrico e altas temperaturas e em sistemas arborizados;

Desenvolvimento de variedades de café resistentes a seca e calor;

Estudos sobre irrigação, radiação solar e arborização em diferentes declividades;

Fisiologia do cafeeiro, emissões de CO₂ e fotossíntese;

Monitoramento ambiental, conservação de água e solo;

Fenotipagem e genotipagem para resistência a nematoides.

 

  1. Sustentabilidade e manejo agroecológico

Manejo do solo visando retenção hídrica e redução do uso de insumos;

 

Redução de custos na agricultura familiar, com insumos de baixo custo e tecnologias apropriadas;

Gestão de pragas e doenças como bicho-mineiro, cigarras, ácaros; controle integrado e biológico de pragas e doenças;

Rotinas para adubação, uso de gesso e fósforo, capina e rotação de plantas.

 

  1. Gestão e conservação de recursos genéticos

Manutenção e caracterização do Banco Ativo de Germoplasma – mais de 1.500 acessos de café arábica;

Uso do Banco Ativo de Germoplasma para diversificação genética, seleção de resistência e qualidade da bebida.

 

  1. Melhoramento genético

Desenvolvimento e registro de novas cultivares – como MGS Turmalina, MGS Paraíso 2, Topázio MG1190, MGS Ametista;

Objetivos: produtividade, resistência à ferrugem, qualidade sensorial, adaptação regional.

 

  1. Pós-colheita e Qualidade do Café

 

Desenvolvimento de novas tecnologias para a colheita, processamento, secagem e armazenamento do café visando a produção de cafés de qualidade;

 

Desenvolvimento de tecnologias para a fermentação controlada do café.

 

Como a instituição tem contribuído para o aumento da produtividade, qualidade e sustentabilidade na cafeicultura mineira?

 

Nossa contribuição se baseia em uma abordagem multifacetada. Combinamos pesquisa em adaptação climática com práticas sustentáveis e melhoramento genético direcionado. Por exemplo, nossas novas cultivares não só produzem mais, mas também apresentam maior resistência à ferrugem, reduzindo significativamente os custos com fungicidas e os impactos negativos advindos pelo uso excessivo desses produtos.

Desenvolvemos também protocolos de manejo específicos para diferentes regiões do estado, considerando altitude, clima e solo. Isso permite que cada produtor otimize sua produção de acordo com suas condições locais. Além disso, nosso trabalho com melhoramento visando a qualidade tem resultado em cafés premiados em diversos concursos de qualidade, abrindo novos mercados para os produtores mineiros.

 

Quais as novas cultivares de café lançadas ou em fase de desenvolvimento pela EPAMIG e que benefícios elas oferecem aos produtores?

 

Temos resultados realmente impressionantes com nossas novas cultivares. A MGS Paraíso 2, por exemplo, já recebeu prêmios internacionais por sua qualidade sensorial excepcional. Em nossos testes na Serra da Canastra, alcançou 94 sacas por hectare — um aumento de 40% em relação ao Catuaí IAC 62, que é uma referência no mercado. Além disso, sua resistência à ferrugem permite uma redução significativa no uso de fungicidas.

A MGS Ametista é outra história de sucesso. Com produtividade de 91 sacas por hectare, ela se destaca pela adaptabilidade a diferentes condições de cultivo. Já a MGS Turmalina também vem se destacando combinando alta produtividade com excelente qualidade de bebida.

Além disso, a utilização das novas cultivares traz lucro não só pelo aumento da produtividade, mas também pela economia ocasionada pela diminuição de aplicação de fungicidas e nematicidas, já que essas cultivares possuem diferentes níveis de resistência à ferrugem e, algumas delas, resistência aos nematoides das galhas.

O mais interessante é que estas cultivares foram desenvolvidas pensando nas condições específicas de Minas Gerais, o que garante melhor adaptação e maior estabilidade de produção ao longo dos anos.

 

De que forma a pesquisa da EPAMIG busca enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas à cafeicultura?

 

Este é um desafio que abordamos de forma sistêmica. Primeiro, através do desenvolvimento de variedades mais tolerantes ao calor e à seca. Nosso programa de melhoramento genético trabalha especificamente com características de resistência a estresses ambientais.

Paralelamente, desenvolvemos estudos aprofundados em sistemas agroflorestais, que têm mostrado bons resultados na proteção das lavouras. Estes sistemas não só reduzem a temperatura média nas áreas de cultivo, mas também melhoram a retenção de água no solo.

As mudanças climáticas afetam o ciclo e a severidade de pragas como bicho-mineiro, broca e cigarra-do-cafeeiro, bem como doenças como a ferrugem. Dessa forma, a EPAMIG estuda novas formas de controle biológico e integração de práticas culturais, adaptadas ao novo cenário climático.

Estamos desenvolvendo também tecnologias de irrigação eficiente, com sistemas de monitoramento que permitem um uso mais racional da água. Nosso trabalho inclui ainda o mapeamento detalhado de áreas de risco climático, que ajuda os produtores a tomarem decisões mais assertivas sobre o manejo de suas lavouras.

Além disso, mantemos uma rede de estações meteorológicas que nos permite acompanhar em tempo real as condições climáticas nas principais regiões produtoras, gerando dados precisos para orientar os produtores.

 

Que tecnologias e práticas sustentáveis a instituição recomenda hoje para o manejo das lavouras de café?

 

Nossa abordagem para sustentabilidade é bastante completa. Começamos pelo solo, recomendando adubação orgânica e organomineral, que não só reduz custos, mas também melhora a microbiota do solo. O uso de gesso agrícola tem mostrado resultados excelentes no desenvolvimento radicular e na absorção de água e nutrientes.

Os sistemas agroflorestais são outro ponto forte. Temos estudado diferentes arranjos com espécies como ingá, banana e abacate, que além de protegerem o café, geram renda extra para o produtor.

Na parte de irrigação, trabalhamos com sistemas localizados, usando sensores de última geração para otimizar o uso da água. O manejo integrado de pragas é outra área onde temos avançado muito, combinando monitoramento com controle biológico e práticas culturais.

Implementamos também tecnologias pós-colheita inovadoras, como boas práticas para reduzir fermentações indesejadas e manter a qualidade do grão. Além da separação por lotes, rastreabilidade e incentivo à produção de cafés especiais e fermentações controladas. E todo esse sistema é complementado por práticas de economia circular, onde os resíduos do café são transformados em insumos valiosos para a própria lavoura.

 

Como é feito o processo de validação e transferência de novas tecnologias e resultados de pesquisa para os cafeicultores?

 

Desenvolvemos um sistema eficiente de validação e transferência de tecnologias. Começamos com nossas Unidades Demonstrativas — hoje são mais de 40 espalhadas estrategicamente por Minas Gerais. Nestas unidades, testamos as tecnologias em condições reais de produção, o que nos permite avaliar não só a eficácia técnica, mas também a viabilidade econômica.

Nossa parceria com a EMATER-MG e as cooperativas é fundamental nesse processo. Eles atuam como multiplicadores, levando as inovações diretamente ao campo. Realizamos dias de campo regulares, onde os produtores podem ver os resultados na prática, fazer perguntas e trocar experiências.

Além disso, mantemos um programa contínuo de capacitação, com cursos práticos sobre diversos aspectos da cafeicultura. Produzimos material técnico em diferentes formatos — desde cartilhas tradicionais até conteúdo digital para smartphones. O interessante é que esse processo é uma via de mão dupla: recebemos constantemente feedback dos produtores, o que nos permite aperfeiçoar as tecnologias.

Também contamos com nossas plataformas digitais (Website da EPAMIG, YouTube, redes sociais e aplicativos) para disseminação de conteúdo técnico gratuito e acessível.

De que maneira a EPAMIG trabalha a redução do uso de defensivos químicos e a preservação ambiental nas áreas de cultivo?

 

A EPAMIG atua de forma estratégica para promover a redução do uso de defensivos químicos e incentivar a preservação ambiental nas lavouras cafeeiras, especialmente em resposta à crescente demanda por práticas agrícolas mais seguras, sustentáveis e compatíveis com os mercados de cafés especiais. Esse trabalho envolve pesquisa, validação e transferência de tecnologias agroecológicas e integradas.

Nossa estratégia para redução de defensivos é bastante abrangente. No melhoramento genético, desenvolvemos cultivares com resistência natural a doenças importantes como a ferrugem do cafeeiro. Isso já elimina grande parte da necessidade de fungicidas.

Implementamos um sistema sofisticado de manejo integrado de pragas. Utilizamos armadilhas e monitoramento constante para identificar o momento exato de fazer qualquer intervenção. O controle biológico é uma parte importante desse sistema onde trabalhamos com diversos parasitoides naturais.

Os sistemas agroflorestais que desenvolvemos têm mostrado resultados interessantes na redução de pragas. A maior biodiversidade cria um ambiente mais equilibrado, onde os inimigos naturais ajudam a controlar as pragas.

Os sistemas agroecológicos arborizados também melhoram a fertilidade do solo, pois os restos vegetais contribuem para a reciclagem de nutrientes e a adubação orgânica promove menor perda desses no sistema, uma vez que são liberados de forma mais lenta para as plantas. Além disso, também auxiliam no aumento e preservação da microbiota do solo, já que não há uso de herbicidas. Outro ponto positivo é a economia com os custos de produção, pois no cultivo agroecológico não é necessário comprar defensivos químicos, já que os insetos e predadores presentes no próprio sistema fazem o controle das pragas e doenças

Também investimos muito em pesquisa sobre extratos naturais e produtos alternativos com ação inseticida e fungicida. Alguns desses produtos já estão sendo usados com sucesso pelos produtores, especialmente na agricultura orgânica.

 

 

 

 

 

Quais os principais resultados obtidos recentemente em estudos de manejo, irrigação e adaptação de cafezais em diferentes regiões de Minas?

 

A EPAMIG vem obtendo avanços expressivos em estudos sobre manejo, irrigação e adaptação dos cafezais em diversas regiões de Minas Gerais, por meio de pesquisa aplicada em Unidades Demonstrativas, estações experimentais e parceria técnica.

“Os resultados que temos obtido são realmente animadores. Nossas 42 Unidades Demonstrativas, distribuídas em 41 municípios, mostram produtividades que variam de 50 a 100 sacas por hectare, dependendo da região e do sistema de manejo.

No Cerrado Mineiro, por exemplo, as novas cultivares têm superado consistentemente as variedades tradicionais em até 40%. Isso se deve não só à genética superior, mas também ao manejo adequado desenvolvido para cada região.

Um dado interessante vem dos nossos estudos sobre déficit hídrico. No Campo Experimental de Três Pontas, no Sul de Minas, identificamos que o déficit acumulado chegou a 345 mm em certos períodos, mais que o dobro do normal. Mas com o manejo adequado de irrigação e práticas como podas programadas, conseguimos manter a produtividade.

Em sistemas consorciados na Zona da Mata, temos observado não só bons resultados em produtividade, mas também melhoria significativa na qualidade da bebida. Isso mostra que é possível combinar produção com qualidade superior.”

 

Como a instituição avalia o futuro da cafeicultura mineira e quais tendências devem impactar o setor nos próximos anos?

 

A EPAMIG avalia o futuro da cafeicultura mineira com otimismo técnico e estratégico, mas também com atenção aos desafios crescentes impostos por mudanças climáticas, exigências de mercado, escassez de recursos naturais e transformações no perfil dos produtores e consumidores. A instituição vem destacando algumas tendências-chave que devem moldar o setor nos próximos anos e orientando suas pesquisas e ações de transferência de tecnologia com base nesses cenários.

“Nossa visão do futuro é otimista, mas realista. Os desafios climáticos serão cada vez mais intensos, mas temos desenvolvido tecnologias que permitem aos produtores se adaptarem a essas mudanças.

Vemos uma forte tendência de crescimento no mercado de cafés especiais. Minas Gerais tem um potencial enorme nesse segmento, com suas diferentes regiões produtoras oferecendo perfis sensoriais únicos. Nossas pesquisas em qualidade da bebida e práticas de pós-colheita estão alinhadas com essa tendência.

A agricultura digital será cada vez mais importante. Já estamos trabalhando com sensoriamento remoto, drones e sistemas automatizados de irrigação. Essas tecnologias permitem um manejo mais preciso e eficiente das lavouras.

A nova geração de produtores está mais aberta à tecnologia e mais preocupada com sustentabilidade. Isso facilita a adoção de práticas inovadoras e mais sustentáveis. Nosso papel é continuar desenvolvendo soluções que mantenham Minas Gerais na liderança da cafeicultura nacional e internacional.”

 

 

 

 

 

Há algum projeto atual da EPAMIG que seja especialmente promissor para o mercado?

 

As unidades demonstrativas de café da EPAMIG são projetos que visam validar novas cultivares de café em diferentes regiões de Minas Gerais, com foco em produtividade, resistência a pragas e doenças e qualidade da bebida. São realizadas em parceria com a Embrapa Café e envolvem a implantação de experimentos em diversas regiões cafeeiras do estado.

“Nosso projeto de Unidades Demonstrativas está realmente revolucionando a forma como transferimos tecnologia para o campo. Desde 2016, quando começamos no Cerrado Mineiro, expandimos para diferentes regiões do estado de Minas Gerais.

Os resultados são extraordinários. Algumas cultivares de café desenvolvidas pela EPAMIG estão produzindo até 40% mais que as variedades tradicionais. Mas o mais importante é o modelo de parceria que desenvolvemos. O produtor hospedeiro cuida da lavoura e fornece amostras para análise, enquanto nós oferecemos todo o suporte técnico e científico.

Realizamos dias de campo regulares nestas unidades, onde outros produtores podem ver os resultados na prática. É um modelo que tem acelerado muito a adoção de novas tecnologias e cultivares mais adaptadas as condições de clima e solo características da região. Além disso, cada unidade serve como um laboratório a céu aberto, onde podemos estudar o comportamento das cultivares em diferentes condições ambientais.

O sucesso deste projeto já inspirou iniciativas semelhantes em outros estados, e estamos recebendo interesse até de outros países. É um exemplo claro de como a pesquisa pode transformar efetivamente a realidade do campo.”

Marcelo Ribeiro Malta possui Graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Lavras (1998), Mestrado em Agronomia (Solos e Nutrição de Plantas) pela Universidade Federal de Lavras (2000) e Doutorado em Ciência dos Alimentos pela Universidade Federal de Lavras (2007). É pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais/EPAMIG. Tem experiência na área de Ciência dos Alimentos/Química e Análise de Alimentos, conduzindo diversos projetos de pesquisa em cafeicultura com ênfase em Pós-Colheita e Qualidade do Café. Faz parte do grupo de pesquisa em Cafeicultura do CNPq. Membro do Programa Estadual de Pesquisas em Cafeicultura de Minas Gerais. Membro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Café (INCT Café). Foi coordenador da Câmara de Agricultura – CAG da FAPEMIG. Foi chefe do Departamento de Pesquisa da EPAMIG de 2020 a 2024. É bolsista de Incentivo à Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico – BIPDT da FAPEMIG. Atualmente é coordenador do Programa Estadual de Pesquisas em Cafeicultura da EPAMIG.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *