Atualização da NR-1 torna obrigatória a prevenção de riscos psicossociais no ambiente de trabalho

Advogado Samuel André Carlos Franco, presidente da OAB/Caratinga, explica mudanças que entraram em vigor em maio de 2025 e as consequências jurídicas para as empresas

 

 

CARATINGA – A legislação trabalhista brasileira passou por uma importante atualização desde de maio de 2025, quando entrou em vigor as novas diretrizes da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), responsável por estabelecer as disposições gerais de segurança e saúde no trabalho no país. Considerada a base de sustentação para as demais Normas Regulamentadoras (NRs), a NR-1 orienta o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e a implementação de medidas preventivas em empresas de todos os setores.

Entre as mudanças mais significativas está a inclusão obrigatória dos fatores de risco psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). Isso significa que situações como estresse, burnout, assédio moral, sobrecarga de trabalho e outras formas de violência organizacional, antes tratadas de forma pontual ou negligenciadas, agora precisam ser formalmente mapeadas, avaliadas e controladas pelas organizações.

Para explicar as implicações dessa atualização, o DIÁRIO conversou com o advogado Samuel André Carlos Franco, presidente da subseção da OAB/Caratinga, especialista em Direito do Trabalho e questões ligadas à saúde ocupacional.

De acordo com Samuel Franco, as alterações na NR-1 representam um avanço histórico na legislação trabalhista brasileira. “Essa é uma das mais importantes mudanças das últimas décadas. Pela primeira vez, a norma impõe que os riscos psicossociais sejam incluídos de forma expressa no PGR, com identificação, avaliação e plano de ação específicos para mitigar esses perigos, que até então eram tratados como recomendações ou boas práticas administrativas”, afirmou.

Segundo o advogado, a nova redação da NR-1 determina que as empresas adotem uma metodologia sistemática para lidar com esses riscos. “As organizações terão que mapear as situações que causam ou podem causar danos à saúde mental dos trabalhadores, como jornadas exaustivas, metas inalcançáveis, assédio, falta de autonomia e ausência de suporte da liderança. Em seguida, será preciso avaliar a gravidade e a probabilidade desses riscos, e, principalmente, adotar medidas de controle eficazes”, explicou.

 

ENTREVISTA

Com as atualizações recentes da NR-1, vigentes a partir de maio de 2025, quais são as principais mudanças que as empresas precisarão adotar em relação à prevenção de riscos psicossociais, como estresse, burnout e assédio?

As alterações promovidas na Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), com plena vigência a partir de maio de 2025, representam uma das mais significativas evoluções na legislação de saúde e segurança do trabalho no Brasil nas últimas décadas. A principal e mais impactante mudança consiste na obrigatoriedade expressa de inclusão dos fatores de risco psicossociais no âmbito do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e, consequentemente, na sua documentação e plano de ação por meio do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). Anteriormente, a abordagem a esses riscos era frequentemente relegada a um plano secundário, tratada de forma subjetiva ou, em muitos casos, completamente ignorada pelas organizações. Com a nova redação, a gestão de riscos como estresse crônico, esgotamento profissional (burnout), assédio moral e sexual, e outras formas de violência no trabalho, deixa de ser uma mera recomendação de boas práticas de gestão de pessoas para se tornar uma exigência legal, fiscalizável e com repercussões jurídicas concretas. Na prática, as empresas deverão adotar uma metodologia sistemática que se inicia com a identificação das fontes de perigo psicossocial, que vão muito além do relacionamento interpessoal e englobam a própria organização do trabalho: metas inatingíveis, jornadas exaustivas, falta de autonomia decisória, ambiguidade de papéis, sobrecarga de trabalho e ausência de suporte da liderança são agora perigos a serem formalmente reconhecidos. Em seguida, impõe-se a fase de avaliação desses riscos, na qual a empresa deverá analisar a probabilidade e a severidade dos danos potenciais à saúde mental de seus trabalhadores. Por fim, e mais importante, as empresas são compelidas a implementar e documentar medidas de controle eficazes, que devem, prioritariamente, atuar na fonte do problema, modificando a organização do trabalho e a cultura corporativa, e não apenas oferecendo medidas paliativas focadas no indivíduo, como programas de bem-estar, que, embora úteis, não substituem a obrigação de eliminar ou mitigar o risco em sua origem.

O Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), obrigatório pela NR-1, passou a incluir de forma mais explícita os fatores psicossociais. Quais são as implicações jurídicas para empresas que não mapearem ou não prevenirem esses riscos?

As implicações jurídicas para as empresas que negligenciarem a obrigação de mapear, avaliar e prevenir os riscos psicossociais em seu Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) são vastas e severas, desdobrando-se nas esferas administrativa, trabalhista e previdenciária. Primeiramente, a ausência ou a elaboração inadequada do PGR no que tange a esses fatores constitui uma infração direta à norma regulamentadora, sujeitando a empresa a sanções administrativas impostas pela fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego. Tais sanções podem variar desde a aplicação de multas pecuniárias, cujo valor é calculado com base na gravidade da infração e no número de empregados afetados, até medidas mais drásticas como a interdição de setores ou mesmo do estabelecimento, caso se constate uma situação de risco grave e iminente à saúde dos trabalhadores. Contudo, a consequência jurídica de maior impacto reside no campo da responsabilidade civil. Um PGR omisso ou falho torna-se uma prova robusta contra a própria empresa em eventuais ações judiciais trabalhistas. Ao deixar de cumprir seu dever legal de cuidado, a empresa configura sua culpa, um dos pressupostos essenciais para a sua condenação ao pagamento de indenizações. Em um processo movido por um trabalhador diagnosticado com burnout, por exemplo, a ausência de medidas de controle para sobrecarga de trabalho no PGR será um elemento determinante para o juiz estabelecer o nexo de causalidade entre a doença e o ambiente laboral, resultando em condenações por danos morais, em razão do sofrimento psíquico, e danos materiais, para o ressarcimento de despesas médicas e lucros cessantes. Adicionalmente, a negligência pode fortalecer o reconhecimento do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) pelo INSS, que correlaciona a atividade da empresa com a doença, resultando na caracterização do afastamento como acidentário, o que não só gera estabilidade provisória para o empregado, mas também eleva a alíquota do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), onerando significativamente a folha de pagamento da empresa.

Como a legislação trabalhista brasileira e a nova NR-1 se articulam no combate ao assédio moral e sexual dentro do ambiente de trabalho? Há previsão de sanções específicas?

A articulação entre a legislação trabalhista consolidada, a legislação esparsa e a nova redação da NR-1 cria um sistema jurídico robusto e multifacetado para o combate ao assédio no ambiente de trabalho. A legislação trabalhista, encabeçada pela Constituição Federal, que assegura o direito a um meio ambiente de trabalho hígido (Art. 7º, XXII), e pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que prevê a possibilidade de o empregado pleitear a rescisão indireta do contrato de trabalho por falta grave do empregador (Art. 483), estabelece o dever geral de proteção. A Lei nº 14.457/2022, que instituiu o Programa Emprega + Mulheres, já havia avançado ao tornar obrigatória a adoção de medidas de prevenção e combate ao assédio sexual e a outras formas de violência no âmbito da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio), incluindo a fixação de regras de conduta, a criação de canais de denúncia e a realização de treinamentos periódicos. A grande inovação da NR-1 é que ela operacionaliza e sistematiza esses deveres. Ela transforma o princípio geral de proteção em uma obrigação gerencial concreta e auditável. O assédio, moral ou sexual, deixa de ser tratado apenas como um desvio de conduta a ser punido reativamente e passa a ser classificado como um risco ocupacional que deve ser proativamente identificado, avaliado e controlado dentro do PGR. Em relação às sanções, não há, na NR-1, a criação de um novo tipo penal ou uma multa com valor fixo e específico para “a falta de prevenção ao assédio”. As sanções são as já previstas no ordenamento: no âmbito administrativo, as multas por descumprimento das Normas Regulamentadoras; no âmbito trabalhista, a condenação ao pagamento de indenizações por danos morais, que podem ser vultosas, e a declaração da rescisão indireta. O que a nova NR-1 faz é fortalecer drasticamente a fundamentação para a aplicação dessas sanções, pois a omissão da empresa em seu PGR se torna a prova cabal de sua conduta negligente.

 

Na sua avaliação, como as atualizações da NR-1 contribuem para a proteção da saúde mental dos trabalhadores e quais desafios práticos as empresas devem enfrentar para se adequar a essas exigências?

As atualizações da NR-1 representam um avanço civilizatório na proteção da saúde mental dos trabalhadores, pois promovem uma mudança de paradigma fundamental: a transição de um modelo reativo, que se ocupa do trabalhador já adoecido, para um modelo eminentemente preventivo, focado na identificação e neutralização das causas do sofrimento psíquico no ambiente de trabalho. Ao conferir legitimidade e visibilidade aos riscos psicossociais, a norma combate o estigma associado às doenças mentais e as eleva ao mesmo patamar de importância dos riscos físicos, químicos e biológicos. Isso empodera os trabalhadores e seus representantes, como a CIPA, que agora dispõem de um instrumento legal formal, o PGR, para exigir e fiscalizar a implementação de ambientes de trabalho psicologicamente seguros. No entanto, os desafios para a adequação das empresas são consideráveis e multifacetados. O principal deles é, sem dúvida, a mudança cultural. Muitas organizações ainda operam sob uma lógica que normaliza a pressão excessiva e o estresse como componentes inevitáveis da alta performance, tratando a saúde mental como uma responsabilidade exclusivamente individual. Superar essa visão requer um comprometimento genuíno da alta liderança. Outro desafio significativo é a capacitação técnica. A identificação e avaliação de riscos psicossociais exigem conhecimentos e metodologias distintas das utilizadas para riscos tradicionais, demandando a formação de profissionais de segurança e saúde no trabalho e de gestores ou a contratação de consultorias especializadas. Para as pequenas e médias empresas, o desafio é também financeiro e de recursos, pois podem não dispor de estrutura para implementar programas complexos. Por fim, existe o desafio de superar o medo de que o mapeamento de riscos possa gerar provas contra a própria empresa, um receio que deve ser combatido com a compreensão de que a omissão e a ausência de registros configuram um risco jurídico e reputacional infinitamente maior.

A norma agora prevê a possibilidade de adoecimento mental por sobrecarga de trabalho e cobrança excessiva por resultados. Como isso afeta a relação contratual entre empregador e empregado e a caracterização de doenças ocupacionais?

A previsão explícita do adoecimento mental decorrente de sobrecarga de trabalho e cobrança excessiva por resultados como um risco ocupacional a ser gerenciado pela NR-1 reverbera profundamente na relação contratual e redefine os contornos da caracterização de doenças ocupacionais. No que tange ao contrato de trabalho, essa mudança impõe uma limitação clara ao poder diretivo do empregador. Práticas de gestão baseadas em pressão desproporcional, metas abusivas e vigilância constante, antes vistas por alguns como ferramentas legítimas de gestão de desempenho, são agora formalmente enquadradas como fatores de risco à saúde. Isso reforça o dever de cuidado do empregador, que passa a abranger, de forma inequívoca, a dimensão psicológica do trabalho. A relação contratual, portanto, é reequilibrada, pois o direito do empregador de exigir resultados é temperado por sua obrigação de garantir que os meios para alcançá-los não sejam deletérios à saúde mental do empregado. Quanto à caracterização de doenças ocupacionais, a alteração normativa é um divisor de águas. Ela facilita de maneira substancial o estabelecimento do nexo de causalidade ou concausalidade entre patologias como a Síndrome de Burnout, transtornos de ansiedade e depressão e as condições de trabalho. Se antes o trabalhador enfrentava uma árdua jornada para provar que sua doença foi causada pelo trabalho, agora o foco se desloca para a obrigação do empregador de provar que adotou todas as medidas de prevenção exigidas pela NR-1. A ausência de um PGR que contemple a gestão do risco de sobrecarga, por exemplo, cria uma forte presunção de culpa patronal. Essa inversão fática do ônus da prova, na prática, tornará mais frequente o reconhecimento dessas doenças como ocupacionais, tanto na esfera judicial, para fins de indenização, quanto na esfera previdenciária, para a concessão de benefícios acidentários (espécie B91), que asseguram ao trabalhador o direito à estabilidade no emprego por doze meses após a alta médica.

Se um trabalhador for diagnosticado com burnout ou transtornos decorrentes de assédio no trabalho, quais os caminhos legais para responsabilizar a empresa, considerando a nova redação da NR-1?

Um trabalhador diagnosticado com burnout ou outros transtornos mentais relacionados ao trabalho, como ansiedade ou depressão decorrentes de assédio, dispõe de um roteiro jurídico claro e fortalecido pela nova redação da NR-1 para buscar a responsabilização da empresa. O primeiro passo, de natureza prática e fundamental, é a obtenção de documentação médica robusta. É imprescindível buscar o acompanhamento de um psiquiatra ou psicólogo para obter um laudo detalhado que descreva o diagnóstico, o tratamento e, idealmente, aponte a correlação entre a patologia e o ambiente de trabalho. Em paralelo, o trabalhador, seu médico ou seu sindicato devem proceder à emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), documento essencial para o processo. Com essa base, abrem-se dois caminhos principais. O primeiro é a via administrativa junto ao INSS, para pleitear o benefício de auxílio por incapacidade temporária na modalidade acidentária (B91), que, além do suporte financeiro durante o afastamento, garante a estabilidade de 12 meses no emprego após o retorno. O segundo, e mais abrangente, é a via judicial, por meio de uma reclamação trabalhista. Nesta ação, o trabalhador poderá pleitear, com base na falha da empresa em cumprir as novas exigências da NR-1, um conjunto de reparações: a rescisão indireta do contrato de trabalho, caso ainda esteja ativo, por falta grave do empregador; uma indenização por danos morais, para compensar o abalo psíquico e a violação aos seus direitos de personalidade; uma indenização por danos materiais, que inclui o reembolso de todas as despesas médicas e, se for o caso, uma pensão mensal vitalícia, caso a doença resulte em incapacidade permanente ou redução da capacidade para o trabalho. A nova NR-1 será a peça-chave da argumentação jurídica, pois a simples apresentação de um PGR da empresa que seja omisso quanto aos riscos psicossociais servirá como prova contundente da negligência e da culpa do empregador, pavimentando o caminho para o sucesso da demanda.

De que forma as pequenas e médias empresas, que muitas vezes não dispõem de setores estruturados de segurança e saúde no trabalho, podem se organizar para cumprir as novas exigências da NR-1 sem incorrer em irregularidades?

As pequenas e médias empresas (PMEs), embora enfrentem desafios de recursos, podem e devem se adequar às novas exigências da NR-1 por meio de uma abordagem pragmática, escalonável e focada nos fundamentos da prevenção. O próprio governo, ciente dessa realidade, disponibiliza ferramentas digitais simplificadas para que Microempreendedores Individuais (MEI), Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP) possam elaborar seus Programas de Gerenciamento de Riscos de maneira guiada e gratuita. O primeiro passo para essas empresas é utilizar essas ferramentas e começar a pensar nos riscos psicossociais de forma estruturada. A adequação não exige, necessariamente, a criação de um departamento de SST complexo ou a contratação de programas caríssimos. Ela pode começar com ações de baixo custo e alto impacto. A promoção de um diálogo aberto e de uma cultura de segurança psicológica, onde os funcionários se sintam à vontade para reportar excesso de pressão ou conflitos diretamente ao gestor ou proprietário, é uma medida fundamental e gratuita. A elaboração de um código de conduta simples e objetivo, que deixe claro o que é inaceitável em termos de comportamento e estabeleça um canal de denúncia direto e confidencial, é outra medida crucial. A gestão da organização do trabalho em uma PME está nas mãos do gestor direto, que pode atuar preventivamente ao distribuir tarefas de forma equilibrada, definir prazos realistas e, fundamentalmente, respeitar os limites da jornada e o direito à desconexão. Além disso, as PMEs podem buscar apoio em suas associações de classe, sindicatos patronais ou em entidades como o SEBRAE, que frequentemente oferecem orientação e capacitação. Por fim, o investimento pontual na contratação de um consultor especializado para auxiliar na elaboração inicial do PGR e na capacitação dos gestores pode ser uma decisão estratégica que previne custos muito maiores com multas e ações judiciais no futuro.

O senhor acredita que a inclusão obrigatória de fatores psicossociais no PGR pode reduzir o número de ações trabalhistas relacionadas a assédio e adoecimento mental? Por quê?

Acredito que o impacto da inclusão obrigatória dos fatores psicossociais no PGR sobre o número de ações trabalhistas se dará em duas fases distintas. Em um primeiro momento, é provável que observemos um aumento no volume de processos judiciais. Isso ocorrerá porque a nova regulamentação confere maior visibilidade ao tema, aumenta a conscientização dos trabalhadores sobre seus direitos e, principalmente, fornece um fundamento jurídico muito mais claro e objetivo para as suas pretensões. Advogados e trabalhadores terão em mãos uma ferramenta poderosa – a exigência de um PGR completo – para comprovar a negligência do empregador. Muitas situações de sofrimento que antes eram silenciadas ou consideradas de difícil comprovação agora encontrarão um caminho mais nítido para a judicialização. Contudo, em uma segunda fase, a médio e longo prazo, a tendência é de uma redução significativa no número de ações. Este é o objetivo precípuo de uma norma de caráter preventivo. A redução ocorrerá por três motivos principais. Primeiro, as empresas que de fato implementarem um gerenciamento de riscos psicossociais eficaz estarão atuando na causa-raiz dos problemas, criando ambientes de trabalho mais saudáveis e, consequentemente, diminuindo a incidência de assédio e de adoecimentos como o burnout. Menos ocorrências significam, naturalmente, menos litígios. Segundo, a própria norma incentiva a criação de canais internos de comunicação e denúncia, o que pode levar à resolução de muitos conflitos internamente, antes que escalem para a esfera judicial. Terceiro, a mudança cultural promovida pela norma, ainda que gradual, levará a uma melhoria geral no clima organizacional. Portanto, o sucesso da norma em reduzir os litígios dependerá diretamente do nível de adesão das empresas: se a enxergarem como mera burocracia, as ações aumentarão; se a abraçarem como um pilar estratégico de gestão, a litigiosidade certamente diminuirá.

A partir da vigência das atualizações de 2025, o que muda na atuação de advogados e consultores de empresas no planejamento de políticas internas e treinamentos para prevenção de riscos ocupacionais psicossociais?

A vigência das atualizações da NR-1 em 2025 impõe uma transformação profunda na atuação de advogados e consultores empresariais, exigindo uma postura muito mais proativa, estratégica e multidisciplinar. A assessoria jurídica deixa de ser predominantemente reativa, focada na defesa de empresas em processos judiciais já instaurados, para se tornar uma consultoria preventiva, centrada na construção de sistemas de compliance em saúde e segurança. O advogado empresarial não poderá mais atuar isoladamente; sua orientação deverá estar em constante diálogo com profissionais de psicologia organizacional, medicina do trabalho e engenharia de segurança. O principal produto dessa nova consultoria será a construção de um Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) juridicamente defensável. Isso significa garantir que o PGR não seja um documento pro forma, mas um reflexo fiel de um processo de gerenciamento ativo, com identificação exaustiva de riscos, avaliações tecnicamente fundamentadas, plano de ação com medidas de controle eficazes e, crucialmente, registros e evidências de sua implementação. As políticas internas, como códigos de conduta e políticas anti-assédio, precisarão ser revisadas para se integrarem organicamente ao PGR. Os treinamentos também deverão evoluir: não bastarão mais palestras genéricas. Eles deverão ser customizados com base nos riscos específicos identificados no PGR daquela empresa, com foco especial na capacitação das lideranças, que são a linha de frente na prevenção e na identificação de problemas, e cujo papel e responsabilidade devem estar claramente definidos. Em suma, o advogado passa a ser um arquiteto de sistemas de prevenção, cujo objetivo é blindar a empresa juridicamente não pela negação dos riscos, mas pela comprovação de sua gestão diligente.

Para o trabalhador que se sente vítima de pressão abusiva, assédio ou sobrecarga no ambiente laboral, quais medidas práticas e legais o senhor recomenda que sejam tomadas à luz da nova NR-1?

Para o trabalhador que se encontra em uma situação de sofrimento por pressão abusiva, assédio ou sobrecarga, a recomendação é adotar uma estratégia que combine o autocuidado imediato com a coleta de provas e a busca por amparo legal, agora fortalecida pela NR-1. A medida prática mais urgente e inadiável é cuidar da própria saúde: procurar ajuda médica e psicológica é fundamental não apenas para o bem-estar, mas também para obter laudos e relatórios que serão cruciais em qualquer etapa futura. A segunda medida prática é a documentação rigorosa. O trabalhador deve manter um registro detalhado e pessoal de todos os incidentes, com datas, horários, locais, descrição dos fatos, nomes de testemunhas e, sempre que possível, guardar cópias de e-mails, mensagens ou outras comunicações que evidenciem a conduta abusiva ou a sobrecarga. É importante também verificar os canais internos que a empresa, por força da nova legislação, é obrigada a manter. Utilizar formalmente um canal de denúncias e guardar o protocolo do registro pode ser uma evidência valiosa da tentativa de solução interna e da ciência da empresa sobre o problema. Paralelamente, buscar o apoio do sindicato da categoria é sempre uma ação recomendável, pois a entidade pode oferecer orientação e suporte. No campo legal, o caminho mais seguro é consultar um advogado especialista em direito do trabalho. Este profissional poderá analisar a situação e o material probatório para definir a melhor estratégia, que pode incluir uma denúncia formal ao Ministério Público do Trabalho (MPT) ou à Superintendência Regional do Trabalho, especialmente se o problema for coletivo. Por fim, a medida legal mais assertiva é o ajuizamento de uma reclamação trabalhista, onde, com base na nova NR-1, será possível pleitear a responsabilização da empresa por sua omissão em gerenciar esses riscos, buscando a rescisão indireta do contrato, indenizações por danos morais e materiais e, se aplicável, a estabilidade no emprego decorrente do reconhecimento da doença ocupacional.

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