DA REDAÇÃO- A natureza segue ciclos. E entender esses ciclos é fundamental para garantir planejamento, produtividade e resiliência no campo. Quem afirma é o professor doutor Fúlvio Cupolillo, do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) – Campus Governador Valadares, que concedeu entrevista exclusiva ao DIÁRIO.
Segundo ele, o clima do Leste de Minas — com destaque para a região de Caratinga — está passando por uma importante transição, iniciada em 2021 e que se estenderá até 2050.
Fúlvio destaca ainda que Caratinga tem um diferencial importante para o monitoramento climático: duas estações meteorológicas do INMET, sendo uma delas com mais de 60 anos de registros.
Na entrevista, o pesquisador fala sobre o que os agricultores podem esperar até 2035, como devem se preparar para essa nova realidade, e aponta caminhos viáveis para lidar com os impactos da estiagem — que já afetam o calendário agrícola, inclusive da cafeicultura.
O clima varia em ciclos de cerca de 30 anos. Em que ponto desse ciclo estamos hoje no Leste de Minas Gerais, especialmente na região de Caratinga?
O clima possui mudanças, variabilidades, ciclos, flutuabilidade. Cada termo desse refere-se a um período de anos. No caso dos ciclos, estão mais relacionados a variabilidade de 30 anos. A fazenda do Ministério da Agricultura em Caratinga tem duas estações meteorológicas do Instituto Nacional de Meteorologia, uma convencional e outra automática. A convencional já existe há mais de 60 anos. Então, Caratinga é um município que tem um ciclo de pelo menos duas normais climatológicas. O que são as normais climatológicas? Uma média dos parâmetros de 30 anos. Então, existe a primeira normal climatológica do INMET, que é de 1931 a 1960, a segunda normal de 1961 a 1990 e a terceira normal de 1991 a 2020. Nós estamos no início da quarta normal climatológica, que começou em 2021 e vai terminar em 2050. Então, o clima realmente varia dentro dessas normais. Se você pegar a média de temperatura, a média de chuva de cada uma dessas normais, vai mostrar, impreterivelmente, que a estação seca está aumentando, a estação chuvosa está diminuindo e a temperatura também sofre um ligeiro aumento.
O ciclo climático está mais agressivo ou instável? Como o produtor rural pode identificar isso no dia a dia da lavoura?
Na realidade, o ciclo climático não está nem mais agressivo e nem instável. Os ciclos climáticos passam por uma dinâmica que é normal de 30 em 30 anos. E a tendência até 2030 é do aumento dessa estação seca, que ela já vem aumentando e diminuição da estação chuvosa. Agora, como esse produtor pode identificar, eu queria deixar claro que nós aqui do Instituto Federal de Minas Gerais, Campos Governador Valadares, todos os meses nós fazemos uma reunião em que nós apresentamos a previsão climática do mês seguinte. Então, no dia 6 de junho fizemos uma reunião apresentando a previsão climática do mês de junho para toda Minas Gerais, todas as bacias hidrográficas, inclusive a bacia do Rio Doce e Caratinga está inserida nesse contexto. Fazem parte dessa reunião mensal que a gente faz, órgãos como a Epamig, Emater, IMA e também o projeto Relba, a Rede Leste de Banco de Alimentos, cujo presidente dessa rede é o atual secretário de Agricultura do município de Caratinga, o senhor João Paulo. Então, a gente já faz isso para atender a demanda do produtor rural, inclusive de Caratinga.
Como o encurtamento da estação chuvosa afeta o calendário tradicional da produção agrícola em nossa região?
Nós sabemos que a estação chuvosa é de outubro a março e a estação seca é de abril a setembro. Então, o que antes as chuvas iniciavam em outubro, novembro, elas agora começam a aparecer em novembro para dezembro. E com isso o agricultor tem que remanejar o seu planejamento agrícola. Para isso, ele tem que buscar ajuda e orientação aos órgãos competentes como a EMATER, a EPAMIG e com a própria Secretaria de Agricultura do município de Caratinga.
Até 2035 a tendência é de uma estação seca prolongada e chuvosa mais curta? Qual a orientação aos produtores rurais?
Sim. Na realidade, é importante esclarecer o seguinte. O Instituto Nacional de Meteorologia fez um estudo de tendência climática para todo o Brasil, levando em consideração chuva e temperatura. Então ele pegou as normais climatológicas de 1961 a 1990 e subtraiu das normais climatológicas de 1931 a 1960. O resultado para a bacia do Rio Doce e a Caratinga está inserido pode ter aumento de 2° na temperatura e com relação às chuvas, a tendência é de serem inferiores a 250 milímetros abaixo da média. Essa é a primeira tendência que o Instituto Nacional de Meteorologia fez. Portanto, até 2035, como eu falei anteriormente, os produtores rurais têm que buscar agora apoio e orientação com os órgãos competentes e com os órgãos da academia, como universidades e os institutos federais que trabalham nessa área. É importante salientar que é um período de transição. Então, até 2035, a tendência é essa.
Depois desse período mais crítico, há uma tendência de aumento das chuvas? Qual a expectativa para essa transição?
Há sim um período, uma tendência de melhora, porque atualmente o Instituto Nacional de Meteorologia fez uma nova tendência climática. Desta vez, ele pegou as normais climatológicas de 1991 a 2020, subtraiu das normais climatológicas de 1961 a 1990. E o resultado é que, a partir de 2035, começa a haver, então, uma transição em que o período chuvoso vai aumentar 100 milímetros e a temperatura vai aumentar apenas 0,9°, o que alivia bastante em relação à tendência anterior.
É possível prever se esse padrão cíclico será mais intenso nas próximas décadas por causa das mudanças climáticas globais?
Na realidade, as mudanças climáticas que podem ser naturais ou provocadas pelas atividades humanas, elas têm as suas variabilidades. Então, na realidade, o que nós estamos colocando aqui nessa entrevista é que essa variabilidade climática de 30 em 30 anos é um processo natural de ida e volta. Assim como eu disse anteriormente, na primeira tendência climática, você teria um aumento de 2 graus na temperatura e as chuvas cairiam para 250 milímetros abaixo da média. Na segunda tendência, já passa a ser uma melhora, temperatura aumentando apenas 0,9 graus e as chuvas passando a ser de 100 milímetros acima da média. A primeira tendência está relacionada até 2035, e de 2035 em diante já é a transição para a segunda tendência. Então, essa variabilidade climática é natural, assim como as mudanças climáticas também têm o seu comportamento natural e tem o seu comportamento relacionado à atividade humana. Mas esse processo de variabilidade climática que está ocorrendo é um processo natural. Se fosse especificamente a crescimento, a segunda tendência climática não iria reduzir a temperatura e aumentar a chuva.
O senhor poderia indicar práticas acessíveis de monitoramento climático para o agricultor local?
Bom, o agricultor, através dele mesmo ou das cooperativas a que ele pertence, como falei anteriormente, têm que buscar orientação aos órgãos competentes como a EMATER, a EPAMIG, IMA, a academia, as universidades e institutos federais e outros órgãos de ensino superior que possam estar produzindo pesquisas nesse sentido. Além disso, tem que buscar orientação com a Secretaria Municipal de Agricultura e aprender alguns hábitos, como todo dia olhar a previsão do tempo no site do Instituto Nacional de Meteorologia. Com relação a registrar dados na propriedade, seria muito interessante, mas eu acho que é um projeto que tem que ser feito a partir da Secretaria de Agricultura em que possa colocar alguns pluviômetros nas propriedades, em algumas propriedades equidistantes, para que possa coletar dados e a prefeitura ter informações preciosas de chuva na região e de temperatura.
O que o senhor considera mais urgente no momento: conter os efeitos da seca ou se preparar para eventos extremos de chuva?
Acho que a primeira é conter os efeitos de seca. Nós não temos condições de conter esses efeitos porque é um processo natural que está ocorrendo, mas, o que o agricultor deve ter como dever de casa é preservar as nascentes das suas propriedades, reflorestando essas nascentes e cercando essas nascentes, protegendo-as, para ele poder ter acesso à água, a sua propriedade ter acesso à água sem possibilidade de perda de chuva. Com relação aos eventos extremos de chuva, sim, a sociedade precisa se preparar, e para se preparar tem vários critérios. Um deles, a necessidade de se criar um fundo municipal para atender as demandas de momentos críticos de enchentes, como os desabrigados, alojamento dessas pessoas, compra de material para atender roupas, colchões, etc. Então, na realidade, precisa ter um fundo aprovado pela Câmara Municipal do município, assim como muitos municípios fazem no Brasil. E, com isso, ter uma defesa civil mais organizada e com informações precisas. Porque a defesa civil, todos os anos, ela recebe um formulário para ser preenchido com informações. Várias informações de quantos desabrigados, quantas casas foram perdidas, enfim. Essas informações é que vão para o governo federal e é baseada nessas informações da defesa civil que vem maior ou menor recurso financeiro para atender a demanda do município.
Por fim, que mensagem o senhor deixa ao agricultor do Leste de Minas diante desse novo ciclo climático que se desenha até o fim da década?
O que eu diria ao agricultor é que procure ajuda aos órgãos públicos competentes da área, às academias, como os institutos federais e as universidades, com o projeto Relba, que envolve 54 municípios, Caratinga faz parte dele. Porque é através dessas interações entre os agricultores de vários municípios, é que juntos poderão superar essa nova situação de novo ciclo climático até o fim dessa década. Na realidade, o que você está chamando de ciclo climático é de 10 em 10 anos. Você está imaginando o ciclo como de 10 anos. E aproveitando então que você está usando isso, desses 10 anos, se você juntar três décadas, vai dar uma normal climatológica. E essas informações de 30 em 30 anos são importantes. E Caratinga, repito, tem uma das estações mais antigas de Minas Gerais, Portanto, tem um histórico de dados bastante extenso, uma longevidade de dados muito importante.