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ALÉM DO FRONT

Livro do tenente-coronel do exército Giovanni Latfalla detalha as relações militares Brasil-Estados Unidos entre 1939 e 1943. Obra ressalta que nunca foi planejada uma aliança com o Eixo, e sim com os EUA, mas sem colocar a soberania brasileira em xeque

DA REDAÇÃO – A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial é muito contada no que diz respeito ao front, ao campo de batalha. E quando se fala das negociações feitas naquele período, é dito majoritariamente sobre as questões diplomáticas. É falado como o país pactuou com os Aliados, formado por Estados Unidos, França, Inglaterra, posteriormente, União Soviética; e não com o Eixo, integrado por Alemanha, Itália e Japão. Pouco se comenta como eram as relações militares entre Brasil e Estados Unidos. E com o objetivo de preencher essa lacuna, o tenente-coronel do exército Giovanni Latfalla escreveu um livro que trata dessas relações militares no período compreendido entre 1939 e 1943. A obra, publicada pela editora Gramma, exigiu um imenso trabalho de pesquisa e o oficial teve a acesso a documentos do exércitos brasileiro e americano.

Oficial do exército falou sobre o seu livro na Câmara de Manhuaçu (Foto: Arquivo Câmara de Manhuaçu)

A apresentação do livro ‘Relações Militares Brasil-Estados Unidos 1939/1943’ diz que a “obra é relativa as negociações militares entre o Exército Brasileiro e autoridades militares dos Estados Unidos visando uma cooperação na defesa do hemisfério ocidental, no período anterior e posterior ao rompimento das relações diplomáticas do Brasil com as nações do Eixo, ocorrido em janeiro de 1942. Durante esta fase os entendimentos entre as duas nações não transcorreram serenamente, pois, ambos possuíam interesses e objetivos diferentes. As negociações foram tensas e eivadas de desconfianças, principalmente por parte dos norte-americanos que acreditavam que muitas autoridades brasileiras, inclusive militares, eram simpatizantes do nazismo e possuíam uma má vontade em aliar-se a eles. Esta obra demonstra que o Brasil nunca planejou uma aliança com o Eixo, e sim, sempre procurou uma aliança com os EUA, sem, contudo, colocar a soberania brasileira em xeque”.

SOBRE O AUTOR

Giovanni Latfalla é tenente-coronel do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro, formado pela Escola de Administração dessa instituição. Possui doutorado em Ciência Política, pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), e Mestrado em História Social, pela Universidade Severino Sombra (USS), em Vassouras/RJ. É Pós-graduado Lato Sensu em Conhecimentos Militares, pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, História Militar Brasileira, pela UNIRIO e em História do Brasil e História Moderna e Contemporânea, pela FAFILE. Foi professor de História dos Colégios Militares do Recife e do Rio de Janeiro. Atualmente, é professor do Colégio Militar de Juiz de Fora.

A ENTREVISTA

Geralmente os livros sobre a Segunda Guerra Mundial focam o campo de batalha, por que o senhor preferiu falar especificamente sobre as relações militares entre Brasil e Estados Unidos?

Porque este tema, as negociações militares entre os dois países, não foi de interesse de muitos pesquisadores. Existem muitas obras sobre a Força Expedicionária Brasileira (FEB), escrita por historiadores e também por muitos dos seus antigos integrantes. Já o processo de negociação entre o Brasil e os Estados Unidos, aparece em poucas obras. Achei também muito interessante a dificuldade no entendimento entre as duas partes. Foi um processo extremamente lento, iniciado em 1939, e consolidado após 1942. Os dois países queriam muitas coisas um do outro, mas tinham pouco a oferecer.  Muitas vezes o Brasil não concordou com propostas dos Estados Unidos, e conseguiu impor algumas das suas, como por exemplo, a criação da FEB e quando se recusou a participar da ocupação da Áustria, no final da Segunda Guerra Mundial.

 

Como foi o seu trabalho de pesquisa para escrever este livro?

Fiz muitas pesquisas nos Arquivos Histórico do Exército e Nacional, ambos no Rio de Janeiro, para a dissertação de mestrado. Para a tese de doutorado, além dos citados arquivos, precisei realizar pesquisas no National Archives II (NARA), em Maryland, nos Estados Unidos. A estrutura oferecida pelo NARA é espetacular. Além da pesquisa em arquivos, foi necessária a leitura de muitos livros de História e Relações Internacionais. A internet também forneceu bastante material, como por exemplo, a documentação diplomática entre o Brasil e os Estados Unidos, disponibilizada pelo Departamento de Estado.

 

 

Durantes suas pesquisas, qual a descoberta que mais lhe chamou atenção?

Encontrei arquivados nos Estados Unidos, documentos confidenciais e originais do Exército Brasileiro, do ano de 1941, que em hipótese alguma deveriam ter sido enviados pra lá. Não foram fotografados, mas enviados inteiros para os EUA. O responsável pelo envio do material, naquela oportunidade, não foi identificado até hoje. Também o teor dos documentos enviados do Brasil para os EUA, pelos informantes norte-americanos é muito interessante, além de me chamar a atenção à quantidade de dados, sobre o Brasil e outros países, que estão arquivados nos Estados Unidos. Grande parte dos documentos que utilizei neste trabalho, sejam eles brasileiros ou norte-americanos, são fontes primárias inéditas.

 

No release sobre o livro um trecho diz: “Esta obra demonstra que o Brasil nunca planejou uma aliança com o Eixo, e sim, sempre procurou uma aliança com os EUA, sem, contudo, colocar a soberania brasileira em xeque”. Mas para alguns historiadores, os generais Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra eram, inicialmente, simpatizantes da Alemanha. Como o senhor descreveria as convicções destes dois militares?

Os generais Dutra, ministro da Guerra, e Góes Monteiro, chefe do Estado-maior do Exército, eram simpatizantes, como muitos outros militares de vários países, pelos feitos do Exército Alemão. A máquina de guerra alemã era formidável. Não dá para esconder isso. Os dois não eram nazistas. Ambos conheciam perfeitamente todas as deficiências do nosso Exército, e queriam que ele estivesse bem equipado e em condições de defender o Brasil. Os dois também sempre defenderam a manutenção da soberania do Brasil junto aos EUA. Quanto às alianças durante a guerra, até o momento não foi descoberto nenhum plano brasileiro de se aliar ao Eixo, mas vários documentos que mostram a intensidade das negociações entre o Brasil e os Estados Unidos.

 

Até 15 de janeiro de 1942 o Brasil era considerado país neutro neste conflito. Para alguns, o presidente Getúlio Vargas tinha uma ‘neutralidade interesseira’ ou ‘equidistância pragmática’. Qual sua avaliação sobre o posicionamento de Vargas antes de o Brasil declarar guerra ao nazismo?

O presidente jogava com os dois lados, ora aparentemente tendendo para os Aliados, ora para o lado do Eixo, sempre procurando tirar alguma vantagem desta situação. Entretanto, com já afirmei anteriormente, existem muitos documentos sobre o processo de aliança com os Estados Unidos, e nada de uma possível aliança com o Eixo. O Brasil se relacionava com ambos, mas só negociava com os Estados Unidos.

 

Qual a parcela do ministro das Relações Exteriores Osvaldo Aranha nessa aproximação do Brasil com os Estados Unidos?

O ministro Osvaldo Aranha também foi muito importante do processo de aproximação entre os dois países. Ele sempre foi a favor de uma aliança mais clara e direta com os EUA. O meu trabalho procura mostrar a participação dos militares brasileiros na consolidação desta aliança, algo que não aparece em outros livros sobre o assunto.

 

O general Mascarenhas de Morais teria sido o maior nome do Brasil na Segunda Guerra Mundial?

Com certeza, por ter comandado com sucesso a Força Expedicionária Brasileira (FEB), com o maior efetivo de militares brasileiros. Mas, em minha opinião, todos foram importantes, inclusive os membros da Força Aérea Brasileira e das nossas Marinhas de Guerra e Mercante. Eles cumpriram brilhantemente as missões determinadas.

Em sua avaliação, o senhor acredita que o povo brasileiro dá o devido valor ao desempenho da FEB na Segunda Guerra Mundial?

Não, pois acho que a maioria da população brasileira desconhece a respeito de nossa participação na Segunda Guerra Mundial. Os livros de História do Brasil também trazem muito pouca informação sobre este tema. Mesmo no pós-guerra, os ex-combatentes brasileiros, muitas vezes não tiveram o reconhecimento que mereciam por parte do governo. Eles são, com toda justiça, os verdadeiros heróis do Brasil.

 

A região enviou combatentes para lutar na Segunda Guerra Mundial. O senhor pretende um dia contar um pouco da história dessas pessoas?

Seria uma honra poder escrever sobre os heróis de nossa região. Sei que em Manhuaçu apenas o senhor José Tito Pimentel ainda está vivo, lúcido e contando histórias da guerra. Não sei se os herdeiros dos outros possuem algum material sobre a participação deles nas Forças Armadas brasileiras durante a Segunda Guerra Mundial. Se o material ainda existir, será preciso fazer uma análise para reuni-lo e transformá-lo em uma história.

 

Tenente-coronel Latfalla, obrigado pela entrevista, quais suas considerações finais?

Espero que as fontes inéditas que encontrei e publiquei no livro contribuam para um melhor entendimento sobre a História do Brasil e do Exército, na Segunda Guerra Mundial, e que os feitos dos nossos ex-combatentes sejam valorizados. O livro está disponível para a venda em minha página pessoal no Facebook no site da editora. Agradeço a oportunidade e estou à disposição para maiores esclarecimentos.

 

 

Diário de Manhuaçu

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