Dados da Delegacia de Crimes contra a Mulher, referente a 2014, dão conta de 26 ocorrências no período
MANHUAÇU – No final de abril, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDS) divulgou, pela primeira vez, as estatísticas referentes a estupro de vulneráveis em Minas Gerais. Nos últimos três anos, foram 6.875 ocorrências consumadas do crime, mais da metade de todos os estupros registrados no Estado. Em Manhuaçu, só em 2014, a Delegacia de Crimes contra Mulher registrou 26 casos, isto é, equivale a um caso a cada 15 dias.
Apesar do avanço no quesito divulgação das informações, já que pela primeira vez esses dados são divulgados, as estatísticas podem representar os dados superficiais e não os reais dessa modalidade de crime. Para a delegada Dra Lujan Pinheiro de Souza, responsável na época pela de Crimes contra Mulher, que atua nesses tipos de crimes, esses números podem ser mais casos do que se imagina.
“A SEDS usa como fonte o Registro de Evento de Defesa Social (REDS), ao passo que a Delegacia de Mulheres, ela recebe essas ocorrências de várias fontes, não somente através do REDS, mas também de requisições da justiça, do Ministério Público, encaminhamentos feitos pelo Conselho Tutelar, cartórios de registro de nascimento, que podem gerar investigação, vítimas que procuram diretamente a Delegacia de Polícia e as denúncias anônimas através do 181. Todas essas fontes acabam convergindo em cada Delegacia e excedendo esse número divulgado pelo SEDS”, explica Dra Lujan.
Além dessas fontes não contabilizadas pela SEDS ainda existe uma cifra negra, aquelas jamais denunciadas e que não existe nem nas Delegacias de crimes contra a Mulher e menos ainda no registro oficial do Estado.
Em março deste ano, o DIÁRIO publicou a história de Cristina (nome fictício), de 17 anos, moradora de Manhuaçu. Molestada por um amigo da família, dos 10 anos aos 12 anos, ela nunca denunciou seu agressor, senhor de mais de 50 anos.
“Ele me chamava para jogar baralho. Meus pais saiam e me deixavam com ele, nesse momento ele me tocava e me pedia para fazer sexo oral. Eu nunca contei para os meus pais por medo deles não acreditarem, pois esse homem era de confiança, muito amigo da família. Na verdade, meus pais nunca souberam de nada e meu agressor é amigo deles até hoje”, relata a vítima.
Impune até hoje, Cristina relata que acredita que ele possa até fazer isso com outras meninas, já que ela tem notícias dele sempre levar presentes para outras crianças onde ela morava. “Já ouvi histórias que ele dá presentes para as meninas, doces, bonecas, caixas de bombom; por isso, acredito que ele possa fazer isso com outras, uma vez que, ninguém ainda teve coragem de denunciá-lo”.
O delegado, atual responsável pela Delegacia de Crimes contra Mulher, Dr. Getúlio Vargas de Lacerda, destaca a importância de toda a sociedade denunciar esse tipo de ação. “Cabe também a sociedade denunciar. A polícia tem logrado êxito através do disque denúncia 181, quando algum vizinho que percebe e acaba comunicando a polícia. Em Manhumirim, há um ano e meio atrás, fomos atrás de um cidadão que tinha praticado um estupro de vulnerável, depois se foi descobrir, com a investigação, que ele tinha feito com outra garota da mesma rua. É importante que a própria comunidade ajude a polícia com informações. Muitas vezes, a população tem medo de falar, desconfia de um vizinho, por exemplo, mas não denúncia com medo de causar um atrito. A omissão nesses casos tem dificultado que a polícia e o poder público cheguem até os autores desses crimes”.
O CRIME
Dr. Getúlio explica que o estupro de vulnerável, na sua forma consumada, é a prática da conjunção carnal e o ato libidinoso com menores de 14 anos. Ele ainda destaca que: “incorre na mesma pena quem pratica a conjunção carnal e o ato libidinoso com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra coisa, não pode oferecer resistência”.
Para o delegado esse tipo de crime, tanto em sua forma tentada ou consumada, está muito ligado na conduta do agente que pratica o ato. “Na forma tentada, o crime deixa de acontecer, não se consuma, por circunstâncias alheias ao agente. Por exemplo, a pessoa tenta fazer algo contra um menor de 14 anos, ele não se consumou por que foi impedido ou ficou com medo de ser surpreendido, enfim, ele vai responder, dentro da dosimetria da lei, até onde ele praticou o crime”.
Caso condenado, o autor pode pegar de oito a 15 anos de prisão. Se ainda tiver o agravante de lesão corporal, essa pena passa a 10 a 20 anos e, se seguido de morte, passa a reclusão de 12 a 30 anos.
Sobre a prática do crime por menores, o delegado explica que quando um adolescente pratica o estupro de vulnerável entra como ato infracional e ele pode sofrer medida sócioeducativa, se assim for do entendimento do juiz, e pode ser decretada internação.
POPULAÇÃO MAIS VULNERÁVEL
Dr. Getúlio destaca que entre a população mais vulnerável a ser vítima desse tipo crime é sem dúvida aquele mais carente. “São aqueles que, muitas vezes, tem até pouca instrução, reside em um conglomerado de pessoas, em comunidades. Outra questão é que às vezes a própria família às vezes também tem uma colaboração indireta para que o crime ocorra, por exemplo, pais alcoólatras, que saem para beber e deixam a criança com um vizinho, a casa é muito vulnerável, isto é, uma porta aberta pode facilitar ao autor entrar na residência e praticar o crime. Em outros casos, até a própria negligência dos pais têm colaborado. Há também a questão do próprio incesto, como já tivemos casos de pais que estupraram as filhas menores de idade”.
SEMANA DE COMBATE À VIOLÊNCIA E EXPLORAÇÃO SEXUAL INFANTIL
Na noite da terça-feira (12), a Escola Estadual Renato Gusman, no bairro Bom Jardim, foi palco de abertura da programação. Alunos, professores, funcionários e comunidade, assistiram à palestra, ministrada pela psicóloga e coordenadora do CAPSi, Núbia Batista, e do presidente do CMDDCA, Vagner Caldeira, que abordaram o tema destacando a diferença entre abuso e exploração sexual, como denunciar e como identificar uma vítima, já que esse é um crime que na maioria das vezes não deixa marcas visíveis.