Visando levar dignidade aos condenados pela justiça, a APAC Manhuaçu registra índices irrisórios de reincidência, comparado ao sistema penitenciário comum
MANHUAÇU – Com um trabalho humanizado, índices baixíssimos de reincidência e um custo de menos da metade do sistema prisional convencional, a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) em Manhuaçu, atende hoje 79 condenados divididos nos regimes fechado, semi-aberto e aberto. O DIÁRIO foi conhecer esse importante trabalho que visa a reinserção social de presos, com a recuperação da dignidade e inserção no mercado de trabalho.
O local funciona como um presídio, sob o regimento da Lei de Execução Penal. Porém diferentemente do sistema prisional comum não há agentes penitenciários ou guardas, uniformes, rebeliões, desorganização ou revistas vexatórias. Na entrada um condenado, na casa chamado de recuperando, recebe as visitar e cuida do portão. Ele poderia sair quando quisesse, mas não o faz. Eles buscam cumprir sua pena e aproveitar o que a estrutura oferece, para enfim, voltarem para a sociedade profissionais e cidadãos exemplares.
Segundo a coordenadora de oficinas, Leslie de Moraes, a APAC propõe não é nada fora do que a lei de execução penal prevê. “Visamos a reinserção da pessoa condenada pela justiça com qualidade. Então todo o trabalho é voltando para que isso aconteça. Dentro desse trabalho tem os 12 elementos da APAC, que nela temos a participação da comunidade, que é fundamental; a família, tendo um tratamento muito diferente do que acontece no sistema comum, sendo ela passando a ser uma parceira na recuperação do indivíduo; valorização humana, mérito, um ajudando o outro; trabalho e profissionalização. Em suma, a ideia é que o condenado pela justiça cumpra pena de forma digna”, explica.
Com 79 recuperandos, sendo 44 no regime fechado, o qual ele cumpre pena dentro do Centro de Reinserção Social (CRS) e seu único contato com o mundo externo é a família durante as visitas. Neste modelo, há uma preparação psicológica e emocional para que ele possa progredir sua pena e , enfim, começar a ter contato com a sociedade. São mais 20 pessoas no semi-aberto, que foca na profissionalização do indivíduo, com a promoção de cursos, palestras e oficinas. Neste, o condenado pode sair do prédio até cinco vezes por ano, como previsto em lei.
Ainda possui mais 14 recuperandos no regime semi-aberto, porém com autorização judicial para o trabalho externo. Apenas um está no aberto: ele pode trabalhar durante o dia e volta a noite para dormir na APAC.
De acordo com Leslie, a APAC em Manhuaçu, nesses quase três anos de existência, já possui recuperandos em liberdade condicional. Eles cumpriram a pena no CRS e agora apenas vão até lé, mensalmente, para assinar a ficha. “Eles são orgulho para nós, pois são reconhecidos no trabalho e pela família. A gente sabe que no sistema penitenciário comum, a reincidência na criminalidade é enorme, superado 80%. O trabalho da APAC é quebrar esse círculo vicioso, porque a pena tem dois viés, o punitivo, que aqui na APAC é cumprido tal qual no sistema penitenciário, mas com um trabalho humanizado, e de reinserir o indivíduo na sociedade de forma qualitativa, sem medo dele reincidir no crime. O objetivo é quebrar o ciclo do prende-solta e solta cada vez pior. Nossa legislação prevê o seguinte, prender sim, essa é a primeira etapa da pena e trabalhar para que o indivíduo não reincida no crime”, aponta a coordenadora, que ainda observa: “nosso índice de reincidência, numa média geral das APAC’s, não chega a 10%”.
COMO FUNCIONA
Para entrar na APAC, o indivíduo precisa já estar condenado, isto é, os que aguardam em julgamento não podem. A APAC não faz distinção de crimes, isto é, um que cometeu homídicio pode estar ao lado daquele que realizou um pequeno furto, porém, ele também não pode ter nenhuma falta grave dentro do sistema penitenciário comum. “Não fazemos distinção de crime, pois, de acordo com o fundador, Dr. Mário Otoboni, todo homem é maior que a sua culpa”, observa Leslie.
Para que consiga uma vaga, o condenado deve expor, de próprio punho, a intenção de ir para a APAC. Esse pedido vai para a presidente, Dra. Denise Rodrigues de Oliveira, ela dá o aval, mas quem determina se irá ou não para a associação é o juiz a execução penal. Tem uma lista de espera, que é respeitada, então surgindo as vagas, o condenado é transferido. O prédio possui hoje 124 vagas, porém entre os regimes há uma margem, uma reserva para que caso haja alguma falta grave na instituição, ele o recuperando possa regredir de regime sem ser transferido para o sistema comum.“Por exemplo, nós temos 44 presos no regime fechado e o limite é 52 anos. Mantemos esse margem para que, caso algum condenado cumprindo no semi-aberto regrida, possa voltar ao regime fechado, mas dentro da APAC”, explica o funcionário do setor jurídico, Moisés de Alcântara Xavier.
Segundo Moisés, acontece esse tipo de falta, mas não é algo recorrente. Os problemas que ocorrem que são considerados faltas graves mais comuns na associação estão ligadas a dependência química “Esse tipo de situação não ocorre dentro do CRS, mas às vezes o recuperando ganha dias de liberdade no regime semi-aberto, e quando sai acaba caindo em tentação. E quando eles retornam desses dias, os recuperandos passam por exame toxicológico e se ficar constatado a utilização de qualquer substância química, incluindo álcool, nesse período, ele volta para o regime fechado e aguarda a determinação do juiz, se ele irá regredir ou não”, explica.
ESTRUTURA
Sem superlotação, com atividades que estimulam a profissionalização, religiosidade e disciplina, os recuperandos vão sendo preparados para a volta ao convívio social. A coordenadora explica que a APAC cumpre em regra tudo o que está previsto na Lei de Execução Penal, com todos os direitos e deveres do condenado assegurados. A estrutura conta com atendimento médico, odontológico, psicológico e educacional, incluindo profissionalização.
“Temos a extensão do colégio São Vicente de Paulo, com várias turmas, como ensino fundamental, alfabetização, etc. Quatro recuperandos cursando ensino superior pelo convênio com a FEAD, com ensino a distância, outros concluindo o ensino médio pelo ENEM prisional. Temos enfermaria, sala para psicologa, consultoria médico, enfermaria, sala para visita íntima, quadra para prática de esportes, biblioteca, etc”
Entre os recuperandos cursando ensino superior está Roberto Marinho, Roberto Marinho, que está na APAC há dois anos e sete meses, está iniciando o segundo período de administração a distância, pelo convênio com a FEAD. Ele fala sobre as principais diferenças entre os dois sistemas e sua vontade de continuar a estudar.
“O tempo que fiquei no sistema comum, o diretor do presídio falou da dificuldade em estudar, isso por não ter uma local que oferecesse condições, embora ele sabia que seria todo direito meu como cidadão. Mas existia essa dificuldade operacional lá dentro. Quando eu tive a oportunidade de vir para a APAC eu vi isso renascer dentro de mim. Agora vou iniciar o segundo período de administração e tenho certeza que irei conseguir concluir este curso, porque a APAC me oferece um suporte, me apóia em tudo o que eu preciso. Aqui são portas que se abrem, são as oportunidades que vem para nós. Muitas vezes nós não sabemos aproveitar essas oportunidades, mas eu tenho aproveitado uma a uma. Eu acredito que estamos dando um passo de cada, mas de fato está sendo um grande salto para que cada recuperando possa se tornar um profissional e tenha a inserção social que é exatamente o que o Estado pregou e que precisa acontecer. Quando o condenado é privado da liberdade, é necessário que devolva essa pessoa para a sociedade recuperado. Ao sair daqui, pretendo continuar os estudos e quero fazer uma pós graduação”, declarou Roberto.
Além da profissionalização e assistência educacional, entre as principais atividades desenvolvidas pelos condenados estão as laborais, prevista na Lei de Execução Penal, com a confecção de artesanatos. Da venda do artesanato, uma pequena porcentagem fica para a casa (5%), e o restante para o recuperando contribuir com a sua família, como comprar um lanche na cantina para o filho que vem visitá-lo.
Geovani Cirilo Duarte, a cerca de um ano na APAC, realiza essas atividades com muita dedicação. Ele ressalta que na associação to dos são tratados com dignidade. “As oportunidades que temos, como os cursos que oferecem, como este de pedreiro, e os outros cursos que ainda virão. Queremos uma mudança de vida, para voltar para a sociedade e provar que é possível sim se recuperar”, destaca.
DISCIPLINA
Além das atividades desenvolvidas pelos recuperandos, eles tem que manter a disciplina. Há uma série de regras que não podem ser quebradas e todos as respeitam. Os horários são rígidos, eles devem cuidar da própria alimentação, limpeza e demais reparos do prédio. Cada um sabe a atividade que tem e num dos fundamentos da APAC, o de um cuidar do outro e viver em comunidade, eles aprendem que a execução dos seus compromissos contribuem para o bem estar de todos.
O cozinheiro no regime semi-aberto é Pedro Isaías, que cumpre pena há seis anos. Ele destaca a importância dessas atividades para a sua recuperação. “No sistema comum é uma cela de 10 m² para 11 homens. Não tinha nem jeito de caminhar na cela, ficava só deitado, todos os dias deitado do ano . Não era possível realizar nenhuma atividade e, por isso, lá eu era desanimado comigo mesmo, para mim tanto fazia viver ou morrer, não me importava mais com a vida. Agora aqui aprendi a dar mais valor, sei que eu posso vencer. Depois que eu vim para cá não fui humilhado mais”, ressaltou.
CUSTOS
Com praticamente todas as atividades realizadas pelos recuperandos, a equipe de funcionários da APAC é só para o setor administrativo. Com isso o custo é muito mais baixo que no sistema comum, isto é, menos da metade. Isto ocorre porque na APAC, não há agentes penitenciários, não há uniformes (eles utilizam suas próprias roupas como valorização da individualidade), a alimentação é preparada por eles, limpeza, tudo por conta dos condenados. Custos que superfaturam no sistema comum, na associação simplesmente não exite,
A APAC possui um convênio com o poder público, mas este dinheiro vai manter a estrutura, como água, luz, custear os funcionários do administrativo, compra dos alimentos para o preparo e custos com pequenas manutenções no prédio. “No convênio que temos, recebemos por recuperando na Casa. Mas é menos de 50% do valor de um sentenciado no sistema prisional comum. Não posso te precisar valores, pois isso varia da estrutura do CRS”
HISTÓRIA
Há pouco menos de três anos em funcionamento o CRS da APAC em Manhuaçu nasceu da ação de duas pessoas, uma que havia visto como a associação era bem sucedida em outros locais e outra que, ao visitar o presídio, sentiu que precisava ser feito alguma coisa por aquelas pessoas.
“Um empresário de Manhuaçu, Juarez Pena, foi fazer uma visita a um colega dele em outra cidade. Esse amigo o convidou para conhecer a APAC. De lá e ele voltou maravilhado. Paralelamente, a Imaculada, que é membro da diretoria, numa novena foi visitar o presídio daqui, na época ainda cadeia. Ela chegou lá e viu que tinha diversos conhecidos naquela situação e que algo precisava ser feito por eles. Na época então, o juiz foi procurado por ambos e os juntou para dar início a APAC de Manhuaçu”, explica Leslie.
Por volta do ano 2000 começou o processo de constituição jurídica da Associação e em seguida a construção do prédio, inaugurado em 15 de junho de 2012.