O relatório mensal do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais (CNIEP) — que serve como base do sistema Geopresídios, um raio-x do sistema prisional feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) — mostra que 5% das unidades prisionais localizadas em Minas Gerais são consideradas excelentes. Entre os 218 estabelecimentos mineiros, 12 tiveram a maior qualificação. Destes, 11 são Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs) — unidades onde os recuperandos (como os sentenciados são chamados) realizam todas as atividades e cuidam, inclusive, das chaves das celas. Nesses locais, o foco é a ressocialização dos condenados. A outra unidade é o presídio de Andradas. Esta é a série especial “Grades que torturam: quando as penas superam o previsto na lei”.
Em um cenário de superlotação de presídios e torturas de detentos — detalhadas em um documento sigiloso ao qual a reportagem teve acesso —, o trabalho realizado dentro das Apacs é considerado modelo. Conforme reportagem publicada pelo O TEMPO, 86% dos recuperandos saem das unidades ressocializados. Os sentenciados que ocupam esses locais vivem uma rotina rigorosa, com regras bem-definidas. A metodologia Apac inclui trabalho, espiritualidade, assistência jurídica, assistência à saúde, valorização humana, família, voluntariado, entre outros. Atualmente, o Estado abriga 47 Apacs.
“Aqui (na Apac de BH) sou tratada com dignidade. Minha vida começou aqui, na Apac, e, quando sair daqui, vou continuar minha vida. Eu trabalho e faço faculdade de administração. Quero continuar trabalhando lá fora”. A expectativa é da recuperanda Edirleia Mendes, de 42 anos, detida há mais de cinco anos, sendo três deles vividos na Apac Feminina de Belo Horizonte, no bairro Gameleira, na região Oeste da capital. Apesar da mudança, ela não se esquece do tempo e das experiências que passou no sistema prisional. “O tratamento no presídio é mais hostil, é para impor respeito, e não para conquistar respeito. Nós ficamos trancados o dia todo, com uma hora de banho de sol, e isso causa um estresse nos detentos. Já vi colegas sendo maltratadas”, relembra. Colega de Edirleia, a recuperanda Cristina Mendes Vieira, de 37, também se recorda dos momentos de vulnerabilidade passados dentro do sistema prisional. Dos 14 anos de cadeia, apenas três deles foram vividos na Apac. “O que tira o preso do sério é quando descobrimos que os nossos familiares estão sendo desrespeitados lá fora, então temos outra ação lá dentro. A alimentação é péssima, o tratamento é dos piores possíveis, não tem respeito, e isso te torna ainda mais revoltado. Se não posso ter o básico, então eu posso fazer o que eu quiser, é uma terra sem lei”, descreve. Ela ressalta exatamente o cuidado que a associação tem com os familiares dos recuperandos. “No sistema (comum), nossa família é submetida a um procedimento vexatório. Nossas escolhas (os crimes cometidos) fazem com que nossos familiares sofram ainda mais quando nos visitam. Aqui, na Apac, é diferente, nossa família é tratada com respeito”, disse.
Presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis) e ex-coordenador do projeto Novos Rumos — que gerencia as Apacs no Estado —, o juiz Luiz Carlos Rezende e Santos considera que a metodologia, no decorrer de 20 anos, alcançou uma “maturidade” que concorre para o êxito do projeto. Além da experiência, a metodologia conta com a aprovação da comunidade, fato que torna a vida após o cumprimento de pena menos árdua. “Hoje, dentro desse grande número de Apacs em Minas, que abrigam cerca de 5.000 presos, temos resultados muito significativos, como a redução da reincidência e a recepção das pessoas (ex-recuperandos) no mercado de trabalho. Então, a grande diferença talvez esteja na participação das instituições públicas, privadas e da comunidade no geral. Um grande trabalho em que todos saem ganhando, não só a pessoa que cumpre a pena, mas familiares e a sociedade em geral, porque, na grande maioria das vezes, o recuperando sai da Apac como um criminoso a menos na concepção da palavra”, explica o magistrado.
