Psicóloga Beatriz Cantarino fala sobre a campanha Janeiro Branco, cujo tema deste ano é “o que fazer pela saúde mental agora e sempre?”
CARATINGA – O início de um novo ano é, para muitos, um momento de recomeços e promessas de mudanças. No entanto, essa época também pode ser marcada por sentimentos de ansiedade, estresse e, em alguns casos, até depressão. Janeiro Branco, uma campanha de conscientização sobre a importância da saúde mental, busca iluminar essas questões e promover o autocuidado emocional. Para entender melhor o impacto dessa iniciativa, conversamos com a psicóloga Beatriz Cantarino, que compartilha suas percepções sobre como o início do ano pode afetar o bem-estar emocional e a importância de se falar sobre saúde mental. Ela se descreve como alguém que “tem o objetivo profissional de criar uma ponte entre as pessoas e o mundo, para que cada uma alcance seu maior potencial de vida, de forma coerente à própria natureza”.
A preocupação com a saúde mental não é de agora, na Grécia Antiga já se falava que “onde tivermos mais música e ginástica, teremos menos juízes e médicos”. Mas nas últimas décadas, esse assunto recebeu o devido destaque. Para termos uma base, em outubro de 2024, a Organização Mundial da Saúde (OMS) avaliou que o transtorno mental afetava quase um bilhão de pessoas, e a pandemia de COVID-19 contribuiu para um aumento de 25% nos casos de depressão e ansiedade. Esse aumento reflete as mudanças dramáticas na vida cotidiana e os desafios enfrentados por populações ao redor do mundo.
Na entrevista a seguir, abordaremos como a psicologia pode ajudar a construir uma vida mais saudável e equilibrada. “Vejo que tudo começa no individual. Quando eu mudo, tudo mundo. Precisamos reconhecer qual mentalidade estamos cultivando. Antes de cobrar, eu preciso ser exemplo. Ter uma escuta empática e promover apoio emocional, por exemplo, são atitudes simples que todos nós, individualmente, podemos fazer”, orienta a psicóloga Beatriz Cantarino.
O que é o Janeiro Branco e qual é o seu principal objetivo?
Janeiro Branco é uma campanha nacional de conscientização sobre a saúde mental e emocional. Este ano o tema central é: “o que fazer pela saúde mental agora e sempre?”. O principal objetivo é mostrar a importância da saúde mental, e convidar a sociedade para refletir, dialogar e agir em busca do equilíbrio emocional. A campanha foi criada em 2014, pelo psicólogo mineiro Leonardo Abrahão, e desde 2023, a campanha é oficialmente reconhecida pela Lei Federal 14.556/23. O movimento também é uma forma de dar visibilidade às questões relacionadas ao tema, quebrando preconceitos, estigmas, acessibilidade e levando informações valiosas sobre os cuidados com a saúde mental.
Por que a saúde mental ainda é um tema negligenciado em muitas culturas?
Pra responder essa pergunta, precisamos entender o contexto histórico em que vivemos. No Brasil, hoje nós falamos sobre o acesso a saúde mental, mas muito recentemente nosso país viveu uma época de desumanização em relação ao tema. Os chamados “manicômios” eram pontos de muito sofrimento. Em Barbacena-MG, por exemplo, cidade localizada aproximadamente 350 km de Caratinga, havia um lugar desses. Estima-se que 60 mil pessoas tenham morrido no local que ficou conhecido como “hospital de colônia”. Hoje o antigo hospital psiquiátrico de Barbacena foi transformado no “Museu da Loucura”, que abriga um importante acervo sobre a história das práticas psiquiátricas no Brasil. Atualmente o museu serve não apenas como conhecimento da história, mas também com a motivação de construir um futuro mais empático e compassivo para todos os desafios relacionados à saúde mental. Nós somos frutos da cultura em que estamos inseridos. Acredito que de certa forma, ainda vivemos na sombra desse passado, e carregamos estigmas e preconceitos, relacionados a saúde mental. Além disso, a falta de informação, o medo do julgamento e barreiras como o acesso restrito a serviços de saúde mental contribuem para essa negligência.
Como a falta de cuidado com a saúde mental pode impactar a vida de uma pessoa?
Uma saúde mental fragilizada pode acarretar uma série de prejuízos. Percebo que sem uma saúde mental equilibrada, os outros aspectos da vida, consequentemente, também vão mal. Tudo começa na mente, e de como você lida com suas próprias questões emocionais e experiências. Olhar pra dentro, ou seja, fazer uma autoavaliação, pra perceber suas emoções e pensamentos, e como você lida com isso, talvez seja uma chave importante. A falta de cuidado com a saúde mental pode levar a uma série de consequências, como prejuízos nas relações pessoais e profissionais, isolamento social, dificuldades de concentração, atenção e até mesmo uma somatização, como o agravamento de problemas de saúde física.
Quais são os principais fatores que contribuem para o aumento dos transtornos mentais na sociedade moderna?
Um transtorno mental é uma condição de saúde que afeta o modo como uma pessoa pensa, sente, se comporta ou interage com os outros. O fator ambiental está diretamente ligado ao agravamento de certas condições psicológicas. Fatores como estresse, a pressão por produtividade, o excesso de informações e o impacto das redes sociais na autoimagem, são bastante relevantes quando falamos em saúde mental. Além disso, questões socioeconômicas, insegurança financeira e falta de apoio emocional podem também agravar os problemas relacionados à saúde mental.
Qual é a relação entre saúde mental e saúde física?
Saúde mental e saúde física estão profundamente conectadas, não se separam. ‘Mens sana in corpore sano’ é uma conhecida citação de origem latina que significa “uma mente sã num corpo são”. Isso significa que o bem-estar emocional e psicológico influencia diretamente o funcionamento físico do organismo, e vice-versa. Quando a mente está saudável, o corpo tende a responder positivamente. Por outro lado, problemas de saúde mental, como estresse crônico, ansiedade ou depressão, podem desencadear ou agravar condições físicas, como doenças cardiovasculares, hipertensão e problemas gastrointestinais. Por exemplo, o estresse prolongado pode levar ao aumento dos níveis de cortisol, um hormônio que, em excesso, pode prejudicar o sistema imunológico e aumentar o risco de inflamações. Manter um equilíbrio entre saúde mental e física exige práticas integradas, como alimentação saudável, exercícios físicos regulares, técnicas de relaxamento e o cultivo de relacionamentos saudáveis. Essas ações não apenas fortalecem o corpo, mas também promovem equilíbrio emocional, ajudando as pessoas a lidarem melhor com os desafios do dia a dia. Reconhecer essa relação é essencial para uma abordagem holística da saúde, que valorize o indivíduo como um todo, integrando corpo e mente em harmonia.
De que maneira o Janeiro Branco ajuda a quebrar tabus sobre saúde mental?
A campanha Janeiro Branco incentiva conversas abertas sobre saúde mental em ambientes como escolas, empresas e comunidades. Ao trazer o tema para o debate público, o movimento desmistifica preconceitos, incentiva o autocuidado e reforça a importância de buscar ajuda profissional sem medo de julgamentos. Acredito que a campanha contribui, principalmente, colocando a saúde mental em pauta, e a partir daí criar mais possibilidades e referências no assunto.
Como a sociedade pode apoiar aqueles que estão enfrentando problemas de saúde mental durante o Janeiro Branco?
Vejo que tudo começa no individual. Quando eu mudo, tudo mundo. Precisamos reconhecer qual mentalidade estamos cultivando. Antes de cobrar, eu preciso ser exemplo. Ter uma escuta empática e promover apoio emocional, por exemplo, são atitudes simples que todos nós, individualmente, podemos fazer. Além do mais, incentivar as pessoas a buscarem ajuda profissional, divulgar informações confiáveis e combater preconceitos em relação à saúde mental, também são formas essenciais de apoio. Enquanto sociedade é nosso dever entender que essa é uma prioridade, e que falar de saúde mental é urgente.
Quais são as principais formas de prevenção de transtornos mentais que podem ser abordadas durante o Janeiro Branco?
Para uma saúde mental equilibrada precisamos tomar consciência de uma série de condições, no quesito prevenção isso ainda é mais importante. A prevenção inclui uma visão integrada do ser humano, como o incentivo à prática de exercícios físicos, ao autocuidado, à meditação e a manter relações interpessoais saudáveis. Fazer exames clínicos rotineiramente, (verificar vitaminas), também faz parte de uma prevenção integrada, mantendo o check-up em dia. Além disso, criar espaços para falar sobre sentimentos e promover políticas públicas de saúde mental também são medidas preventivas importantes. Ou seja, dar acesso à saúde mental a todos.
Qual o papel dos profissionais de saúde na campanha Janeiro Branco?
O papel dos profissionais da saúde é o educacional. Essa é uma função essencial, para oferecer suporte técnico e emocional, e desmistificar informações erradas sobre saúde mental. Cabe também a eles a responsabilidade de identificar sinais de sofrimento e orientar a busca por tratamentos adequados.
Como a busca por ajuda profissional pode impactar positivamente a saúde mental de uma pessoa?
Buscar ajuda profissional é um passo essencial para cuidar da saúde mental. Um profissional oferece um ambiente acolhedor e livre de julgamentos, com técnicas especificas, onde o indivíduo pode compartilhar suas dificuldades com segurança e confiança. Um profissional capacitado, como um psicólogo ou psiquiatra, pode ajudar a identificar as causas dos problemas emocionais e desenvolver estratégias personalizadas de enfrentamento. Pois cada ser humano é único, por isso não existe uma “receita de bolo”, quando falamos de saúde mental.
Além disso, a terapia auxilia na construção de habilidades para lidar com situações estressantes, melhorar a autoestima e fortalecer os relacionamentos interpessoais. O tratamento adequado também pode reduzir sintomas como ansiedade e depressão, e promover maior equilíbrio emocional. Em muitos casos, a intervenção precoce pode evitar consequências mais sérias.
A busca por ajuda profissional não apenas impacta positivamente a qualidade de vida da pessoa, mas também reforça a importância de valorizar o cuidado com a saúde mental como parte essencial do bem-estar geral. É um passo corajoso e transformador que contribui para o autoconhecimento, e a construção de uma vida mais saudável e significativa.
Por que é importante falar sobre saúde mental de forma constante, e não apenas durante o Janeiro Branco?
A saúde mental é uma questão cotidiana, que afeta a todos, independentemente da época do ano. Manter o tema em pauta regularmente ajuda a consolidar hábitos saudáveis, prevenir crises e construir uma sociedade mais empática e informada.
Quais são os benefícios de se criar uma rede de apoio emocional entre amigos e familiares para a saúde mental?
Uma rede de apoio proporciona segurança, acolhimento e senso de pertencimento, essenciais para o equilíbrio emocional. Ter pessoas próximas para compartilhar desafios e celebrar conquistas pode fortalecer o enfrentamento de dificuldades. Redes de apoio também incentivam o autocuidado, sendo um lembrete constante de que pedir ajuda é um sinal de força, e não de fraqueza. Manter vínculos saudáveis e significativos com amigos e familiares é uma estratégia poderosa para promover a saúde mental e construir uma vida mais equilibrada e com conexões reais e cheias de afeto.
- Cartaz da edição deste ano que tem como tema: “O que fazer pela saúde mental agora e sempre?”
- Beatriz Cantarino é psicóloga, jornalista, pós-graduada em Assessoria e Gestão da Comunicação, com formação em Comunicação Não Violenta e Eficaz