Artigo

O INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO E AS RELAÇÕES JURÍDICAS

José do Carmo Veiga de Oliveira[1]

A vida em sociedade está sempre pautada em compromissos que as pessoas contraem e, assim, torna-se obrigados ao seu cumprimento, levando-se em conta que toda obrigação deve ser, inequivocamente, cumprida diante do que edita a legislação vigente, de modo a garantir a estabilidade negocial em todos os aspectos da vida em sociedade.

De toda sorte, os dispositivos legais insertos no Código Civil, que têm o objetivo de regulamentar a vida em sociedade e, especialmente, dos seus artigos 205 e seguintes, identifica-se, de pronto, que há uma série de situações que foram enumeradas pelo Legislador Civil, de 2002, de modo a assegurar prazos específicos, no que pertine à incidência da prescrição, instituto que tem grande relevância entre nós, especialmente para efeito de estabilizar as relações sociais no que tange à certeza de que, uma vez firmada uma relação jurídica, é de todo conveniente considerar o fato de que, em havendo essa convicção quanto à sua validade e especialmente por força do amparo da Legislação vigente, qualquer das partes não estará submetida a um risco permanente quanto à possibilidade de se desfazer o pacto estabelecido.

De outro lado, as relações jurídicas, uma vez firmadas, devem ser honradas e cumpridas em seu todo, exatamente para efeito de se buscar uma solidez nos negócios jurídicos celebrados a ponto de garantir o resultado que reside exatamente na convicção de que uma vez assumidos, serão cumpridos integralmente.

Ademais disso, é todo relevante considerar que a prescrição tem duplo fundamento, quais sejam, além de “estabilizar as relações sociais, também o de consolidar as situações jurídicas que se preservaram inalteradas no tempo[2].

Não fosse isso suficiente, a doutrina também elenca outra situação que é por demais significativo, considerando-se que tem o propósito de punir a inércia do titular que deixar de implementar as relações jurídicas consolidadas, como se, de fato, estivesse abandonando o ajuste celebrado e, desta forma, deixando à margem a necessidade de fazer cumprir o compromisso assumido.

De outro lado, existe um aspecto que é de suma relevância considerar a partir do momento em que é possível, também, por uma única vez, nos termos do disposto no artigo 202, do Código Civil, de 2002, promover a interrupção da prescrição, exatamente para se buscar o recomeço do prazo prescricional e, assim, nos termos que se seguem, visando: 1 – por meio do despacho do juiz ordenando a citação em processo judicial; 2 – mediante o protesto judicial; 3 – protesto cambial; 4 – apresenta o do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores; 5 – como ato judicial que constitua em mora o devedor e, ainda, mediante qualquer ato inequívoco, ainda que fora do juízo, importando em reconhecimento do direito pelo devedor.

Assim, interrompida a prescrição por qualquer das causas acima estabelecidas, também conhecidas como causas interruptivas, o prazo volta a fluir integralmente a partir do momento em que ocorreu a interrupção ou do último ato do processo para essa finalidade. E isso implica afirmar, taxativamente, que esse reinício da contagem do prazo prescricional é partir, efetivamente, do ponto zero, como se não houvesse havido o início de prazo de qualquer natureza em relação àquela avença estabelecida entre as partes.

Também é de todo relevante considerar o fato de que há um tipo de “catálogo” estabelecido pelo Legislador Civil que enumera uma série de situações em que os prazos são fixados de conformidade com a situação concreta enfocada pelos atos praticados pelas partes contratantes.

Assim, é de suma importância considerar que esses prazos não podem ser alterados pelas partes, exatamente porque existe vedação expressa de parte do Legislador Civil, visando impedir que essa alteração seja efetivada, de modo a garantir que a Lei seja literalmente cumprida, nos termos do que edita o artigo 192, do Código Civil, de 2002[3].

Dessarte, ainda que se cuide esse texto de mera informação, embora com todo o conteúdo tecnicamente correto e preciso, deve-se ter em mente, sempre, que a prescrição se constitui de um tema que é de suma importância para as pessoas, já que muitas das vezes não se consegue, por uma série de razões, dar cumprimento integral às obrigações contratadas. Mas, isso, nem de longe, justifica, em todo tempo e lugar, a desídia da parte que deixou de observar os prazos estabelecidos para efeito de se dar cumprimento às tratativas celebradas ao tempo da contratação de compromissos que devem, efetivamente, ser honrados e cumpridos em sua integralidade.

De todo o modo, nunca é demais considerar e frisar que a vontade das partes contratantes não podem ser superior ao que o Legislador Civil estabeleceu diante do fato de que apenas ele, o Legislador, pode alterar, se for o caso, os textos legais, passando-se, por evidente, pelas Câmaras Alta e Baixa do Congresso Nacional –Senado Federal e Câmara dos Deputados – visando exatamente preservar os textos legais, pois, afinal de contas, essa demanda, em última análise, seja o alicerce dos relacionamentos em sociedade a partir do momento em que as partes colocam-se dispostas a cumprir o que efetivamente vieram a contratar.

Por isso mesmo, o artigo 193, do Código Civil, estabelece que “a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita”. Vê-se, portanto, que o propósito último do instituto da prescrição reside, exatamente, na segurança jurídica que norteia as relações interpessoais em sociedade. Razão última, portanto, para efeito de se concluir os relacionamentos comerciais em toda a sua extensão, de modo a garantir a integralidade dos efeitos decorrentes dos negócios jurídicos, nos termos estabelecidos pela Legislação em vigor.

 

[1] JOSÉ DO CARMO VEIGA DE OLIVEIRA é Professor da PUC-MINAS e da Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP; Mestre em Direito Processual pela PUC-MINAS; Doutor em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie-SP; – Assessor Especial da Consultoria do Instituto Presbiteriano Mackenzie – SP; Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca – Espanha; Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais; Membro da Academia Paulista de Direito, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Mackenzista de Letras.

²Schreiber, Anderson, Manual de Direito Civil Contemporâneo, 4ª ed., revista e ampliada, Ed. Saraiva, São Paulo, 2021, pág. 296

³Art. 192 – Os prazos prescricionais não podem ser alterados por acordo das partes

 

 

 

Diário de Manhuaçu

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