Alguns estudos sugerem um aumento no risco de câncer de ovário em mulheres que usam talco nas genitálias
O talco foi classificado como provavelmente cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS), que também incluiu a acrilonitrila, um composto usado na produção de polímeros, como comprovadamente cancerígeno. Os especialistas, reunidos em Lyon, na França, publicaram suas conclusões nesta sexta-feira na revista científica The Lancet Oncology.
A categoria, chamada oficialmente de 2A, diz respeito a itens cujas evidências de relação com tumores são mais robustas entre animais, ainda que limitadas entre humanos. A medida pode surpreender, mas a classificação da Iarc engloba também uma série de outros produtos comuns da rotina, como até mesmo as carnes vermelhas.
O talco é um mineral natural extraído em muitas regiões do mundo. Segundo a Iarc, a decisão foi tomada com base em uma combinação de estudos parciais em seres humanos que indicou um risco aumentado de câncer de ovário, e evidências suficientes de testes em animais de laboratório.
De acordo com os especialistas, a exposição ao talco ocorre principalmente no ambiente ocupacional durante a extração, moagem ou processamento ou durante a fabricação de produtos que o contenham. Para a população em geral, a exposição ocorre por meio do uso de cosméticos e pós corporais que contenham talco.
Em relação às evidências entre pessoas, “vários estudos mostraram consistentemente um aumento na incidência de câncer de ovário em seres humanos que relataram o uso de talco na região perineal”, diz a Iarc em nota.
No entanto, os especialistas não descartam certos vieses nos trabalhos. Uma síntese de estudos sobre o tema, publicada em janeiro de 2020 e baseada em 250 mil mulheres nos Estados Unidos, por exemplo, não encontrou uma ligação estatística robusta entre o uso de talco nos órgãos genitais e o risco de câncer de ovário.
Já um outro trabalho, publicado neste ano na Journal of Clinical Oncology por pesquisadores dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, que analisou cerca de 50 mil mulheres, encontrou de fato uma relação. “Nossas descobertas apoiam a hipótese de que há uma associação positiva entre o uso de talco genital e a incidência de câncer de ovário, embora não apontem uma causa ou mecanismo específico”, escreveram os autores.
Além disso, a Iarc afirma que levou em consideração na análise que, “em animais experimentais, o tratamento com talco causou um aumento na incidência de neoplasias (câncer) malignas em fêmeas (medula adrenal e pulmão) e uma combinação de neoplasias benignas e malignas em machos (medula adrenal) de uma única espécie (rato)”.
— Essa associação com o câncer de ovário é uma discussão de longa data, mas há dúvidas. Esses estudos populacionais de larga escala trouxeram resultados controversos. Diante da classificação da Iarc, que avaliou essas evidências, devemos ter cautela sim relação ao uso do talco — avalia Angélica Nogueira, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).
A preocupação com o talco e o risco de tumores começou a surgir a partir da década de 1970 pela contaminação com amianto, que na maioria das vezes se encontra próximo aos minerais utilizados para fabricar talco. O amianto é uma substância muito utilizada na indústria, mas que foi ligada ao câncer.
Posteriormente, foram publicados os primeiros estudos sugerindo o maior risco de câncer de ovário nas usuárias de talco. Para Gustavo Schvartsman, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, o amianto pode ser uma explicação para as associações observadas:
— Já tinha essa questão de o talco conter traços do amianto, que é um clássico causador de vários tipos de câncer, durante a extração mais profunda desse mineral. Possivelmente, esses estudos que fazem a associação são oriundos dessa relação com amianto. Os estudos não são conclusivos, então é difícil dizer que as pessoas deveriam ou não parar de usar talco. E hoje, em teoria, o talco não teria mais amianto.
Porém, a Iarc afirma que as avaliações analisadas agora se concentraram no talco que em tese afirma não ter amianto. Segundo a agência, mesmo hoje “a contaminação não pôde ser de fato excluída na maioria dos estudos com humanos expostos”.
Isso por causa dos “desafios da medição precisa”, diz . “A contaminação do talco com amianto ainda pode ser uma preocupação e pode levar à exposição de trabalhadores e da população em geral ao amianto”, continua.
Em junho, por exemplo, a gigante farmacêutica norte-americana Johnson & Johnson (J&J) chegou a um acordo final com 42 estados dos EUA em um caso de pó de talco acusado de causar casos de câncer.
Acrilonitrila
A agência da OMS também classificou a acrilonitrila, um composto orgânico volátil usado principalmente na produção de polímeros, como “carcinogênico” para humanos, categoria 1A.
Essa decisão se baseia em “evidências suficientes de câncer de pulmão” e “evidências limitadas” de câncer de bexiga em humanos, de acordo com a IARC.
Esses polímeros são usados em fibras para roupas, carpetes, plásticos para produtos de consumo ou peças de automóveis. A acrilonitrila também está presente na fumaça do cigarro e na poluição do ar.
— Essa é mais uma das múltiplas substâncias carcinogênicas que já conhecemos no cigarro, então a principal orientação é “não fume” — diz o oncologista do Einstein.
Do aspartame à carne, outros itens com potencial cancerígeno
No ano passado, a Iarc incluiu o aspartame, adoçante artificial comum na categoria de “possivelmente cancerígenos”, a 2B, que diz respeito a itens cujas evidências apontam uma relação com tumores, porém de forma limitada tanto em estudos com animais, como em humanos. Uma relação foi observada com câncer no fígado.
Porém, na avaliação de risco, que estabelece o real perigo para o consumidor, o Comitê Conjunto de Especialistas em Aditivos Alimentares da OMS e da Organização para Agricultura e Alimentação (FAO) decidiu eles não são suficientes para alterar o limite de consumo diário considerado seguro, de 40 mg por kg de peso corporal.
Anos antes, a carne vermelha, como de boi, porco, cordeiro e bode, presente de forma tão significativa no prato da população brasileira, foi incluída na 2A, como “provavelmente cancerígeno”, assim como o talco agora. A agência relacionou o alimento a tumores colorretais, de pâncreas e de próstata.
Segundo o Inca, o alimento é rico em nutrientes importantes, como vitaminas e minerais, porém ele conta com uma forma do ferro chamada de heme, derivada das hemácias e das células musculares, que, em excesso, aumenta o risco de câncer.
Por isso, tanto o instituto brasileiro, como o Fundo Mundial de Pesquisa do Câncer Internacional, sugerem limitar o consumo a 500g por semana, o que é equivalente a cerca de três porções.
Porém, de forma mais preocupante, enquadrados no grupo 1 da tabela da Iarc, de itens comprovadamente cancerígenos, estão as carnes embutidas ou processadas, ligadas a cânceres colorretais e de estômago. Alguns exemplos são presunto, salsicha, linguiça, bacon, salame, mortadela e peito de peru. Além de produtos como cigarros e álcool.
Fonte: O Globo