Artigo

RELAÇÃO JURÍDICA CONTINUADA OU CONTINUATIVA E A SEGURANÇA JURÍDICA

José do Carmo Veiga de Oliveira[1]

 

Existe uma figura jurídica talvez um tanto quanto desconhecida, porque normalmente é suscitada em sede recursal e, por isso mesmo, é pouco comum vê-la em debate fora do âmbito dos Tribunais Superiores. E isso é fruto, ainda, dos últimos dois (02) temas abordados nesta coluna jurídica. O fato é que existem parcelas que já se encontram prescritas, e que ainda não foram identificadas ou, se foram, caiu no campo da prescrição em termos do suscitar da matéria e, por isso mesmo, não se considerou a respeito.

O fato é que a parte credora dos respectivos valores, muitas das vezes, reserva para si a pseudo pretensão de vir a Juízo um dia daqueles em que tudo vem à tona num piscar de olhos e, não por acaso, sempre é o último dia do prazo prescricional. Normalmente, fica esquecido e quando se retoma a questão, já ocorreu o decurso do prazo prescricional. De fato, a postulação já se encontra alcançada pelo lapso temporal que ultrapassou e, não poucas vezes, em muito, qualquer possibilidade de reivindicar o recebimento de valores que, eventualmente, ainda se tenha a intenção de receber…

Ora, inicialmente, se deduzida a pretensão, não se pode olvidar que, se impugnada no que pertine ao prazo prescricional para o pleito que deduziu na exordial, é porque, definitivamente, o lapso temporal indicado – equivocamente considerado por muitos como sendo de dez (10) anos – e com a devida vênia, totalmente incabível, seria passível de aplicação ao caso concreto se, admitindo apenas ad argumentandum tantum, e por intenso amor ao debate, não tivesse o legislador civil pátrio estabelecido vários prazos prescricionais para efeito de orientar as pessoas – físicas e jurídicas – quanto ao decurso do lapso temporal para o exercício da pretensão.

É fato inconteste que se sustenta um argumento absolutamente vencido, não apenas do ponto de vista doutrinário, mas, especialmente, tomando-se as próprias decisões dos Tribunais Estaduais, Federais e, também, especialmente, do Superior Tribunal de Justiça, pois, o longo “catálogo” estabelecido pelo art. 206, do Código Civil, de 2002, não deixa qualquer dúvida quanto ao fato de que, o prazo prescricional para as relações contratuais, e, especificamente, para hipóteses de rescisão e respectiva cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular, desde a vigência do Código Civil, de 2002, é de cinco (05) anos, a partir da data do inadimplemento e/ou rescisão por uma das partes contratantes.

É inconteste que o Diploma Civil de 2002 corrigiu vários equívocos que sempre foram atribuídos a Clóvis Beviláqua no que pertine à falta de indicação ou de metodologia quanto aos prazos prescricionais enumerados no artigo 178, do Código de 1916, todos elencados independentemente de se tratar de prescrição ou decadência, embora passíveis de distinção em virtude dos próprios elementos de informação.

Todavia, o Código Civil, de 2002, promoveu grande ajuste nesse particular. Estabeleceu conceitos, princípios e prazos específicos para cada tipo de situação em que se tivesse de aplicar algum dos prazos elencados pelo Legislador.

E o fez de modo tão claro e preciso que não houve qualquer tipo de dúvida que persistisse no então novel Diploma, já que todas as hipóteses que foram elencadas nas redações dos artigos 205 e 206, especialmente nos incisos desse último, não deixaram qualquer margem de dúvida no tocante à incidência dos prazos elencados para o início e término dos respectivos lapsos temporais incidentes sobre as várias situações e hipóteses que enumerou com ampla margem de clareza e precisão aos profissionais do Direito.

É indispensável considerar que, diante do texto claro e inequívoco do artigo 189, do referido Diploma Civil, o legislador acolheu da conhecida “teoria da pretensão”, nos exatos termos do que dispõe o referido dispositivo, in verbis:

Art. 189 – Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.

Dessa forma, dúvida alguma pode persistir quanto ao momento em que foi acolhida a teoria da pretensão, evitando-se dúvidas quanto ao que se entendeu de delinear como sendo o prazo prescricional, contado a partir do momento em que se chegou à conclusão de que, a prescrição atinge a pretensão de direito material, exatamente a anspruch, originária do Direito Alemão, pautando-se na exigibilidade, judicial ou não, do pretenso direito alcançado pela sua extinção. Vejamos, pois, o posicionamento de Fábio Konder Comparato, que assim, sob a égide de sua pena, escreveu:

… a razão do êxito do direito alemão na interpretação do instituto da prescrição reside no fato de que a doutrina, desde o período da pandectística, soube decompor as facultas agendi do sujeito de direito de forma clara e exata (…). O direito subjetivo, categoria bruta que transcende o campo do direito das obrigações, decompõe-se, na verdade, em dois elementos que exigem visualização: um direito estático à prestação e um direito de exigir essa mesma prestação (…). Esse direito de exigir, facultas agendi é, sem dúvida, projeção do direito à prestação, mas com ele não se confunde (…) é o que a doutrina germânica denominou pretensão, conceito forjado por Windscheid, em meados do século XIX em obra famosa sobre a actio romana”. (Comparato, Fábio Konder, Parecer sobre Prescrição, in Manual de Direito Civil Contemporâneo, Prescrição e Decadência, Ed. Saraiva, 4ª ed., revista e ampliada, São Paulo, pág. 295).

Identificado, pois, o momento do ato ou fato danoso e, assim, a data em que ocorrerá o vencimento do prazo para efeito de se fazer propor a demanda, não há mais o que se questionar, em face da certeza absoluta que já foi adredemente estabelecida sobre quando o Juízo haverá de receber, em momento último, o pedido do titular da pretensão para efeito de buscar a prestação jurisdicional.

Assim, nesse contexto, não haverá uma espécie de “aposta” ou “loteria” para esse ou aquele inciso, já que o artigo 205, do Código Civil em vigor, não autoriza o enquadramento da pretensão para efeito de seu ajuizamento perante o respectivo Juízo que receberá a postulação e dar-lhe-á o devido prosseguimento em tramitação judicial. Dessa forma, existe uma chance única de enquadramento da pretensão e é exatamente naquela, a definitiva quanto ao propósito de se buscar a prestação jurisdicional para se reparar a lesão apresentada ao Julgador por meio do petitório que se lhe dirige.

Por isso mesmo não se encontra à disposição do titular da pretensão uma alternativa que não seja exatamente aquela que permitirá acionar o Poder Judiciário como Órgão Estatal incumbido de entregar a prestação jurisdicional mediante a aplicação do devido processo legal e todos os demais princípios que regem a tramitação processual, especialmente o acesso à instância superior para efeito de julgar os recursos.

E tanto é fato inconteste o que se afirma que o Colendo Superior Tribunal de Justiça, nas suas centenas de julgados, proferiu acórdãos que “consolidam”, em definitivo, nos termos do que edita o inciso I, do § 5º, do artigo 206, a seguinte redação, in litteris:

“Art. 206 – Prescreve em: § 5º – Em cinco anos: I – a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular”;

Ora, qualquer atitude que implique em “alterar” o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça e que não seja originário do próprio Órgão Institucional, que tem por finalidade, nos termos do art. 105, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, preservar a unificação de entendimentos em nível nacional da Legislação Infraconstitucional será, inequivocamente, considerada como especulação e não deveria ser alvo de acolhida porque não tem o condão de firmar ou formar algum tipo de “precedente”, eis que não encontra suporte capaz de sustentar esse tipo de decisão.

Fora desse contexto, somente as pretensões que tenham por objeto os pedidos de rescisão contratual e, ainda assim, quando originarem, por evidente, danos de outra natureza que não os de ordem pessoal e moral, numa cumulação de pretensões capazes de permitir outros pedidos além do reconhecimento da procedência do pleito que lhe deu origem.

[1] JOSÉ DO CARMO VEIGA DE OLIVEIRA é Professor da PUC-MINAS e da Universidade Presbiteriana  Mackenzie – SP; Mestre em Direito Processual pela PUC-MINAS; Doutor em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie-SP; – Assessor Especial da Consultoria do Instituto Presbiteriano Mackenzie – SP; Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca – Espanha; Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais; Membro da Academia Paulista de Direito, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Mackenzista de Letras.

Diário de Manhuaçu

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