O DIÁRIO ainda publica, pelo projeto Traje História, um relato especial de filho
MANHUAÇU – Elas carregam seus filhos durante nove meses no ventre. Esperam impacientes pela chegada da criança. Planejam, compram, se preparam. Aguentam chutes, o sobrepeso, as dores. Alimentam, limpam, protegem e cuidam. Em homenagem do dia das mães, o DIÁRIO buscou histórias, que vão desde a calma de uma mãe, que deu a luz sozinha, até a saudade de um filho, que há muito não tem sua mãe. Na parceria com o projeto Traje História, um jovem ainda conta sobre o câncer de sua mãe e o tratamento.
NASCIMENTO
Eliane Maria do Nascimento, de 39 anos, em sua sexta gravidez teve uma grande surpresa. Acabou dando a luz sozinha no banheiro de sua casa. Ela conta que seus outros filhos e seu marido dormiam no momento e que ela ia tomar um banho, quando assustou sua filha já estava nascendo. “Eu não senti nada, não sabia que estava em trabalho de parto, não tive nenhuma contração. Quando fui ao banheiro para tomar banho, minha filha já nasceu. Quando senti ela saindo, chamei pelo meu marido”, conta.
Quando o marido dela viu a situação chamou um vizinho que a levou de carro para o hospital. “Fui para o hospital para cortarem o cordão umbilical, pois ninguém poderia cortar em casa. Na hora que eu saí do carro, eles já cortaram o umbigo da criança e me colocaram na maca, a placenta já saiu”, relata.
No hospital, a médica alertou para o risco: “ela disse que na hora a minha filha poderia ter caído de cabeça e morrido, mas felizmente eu a segurei”, comenta. Hoje com nove anos, a garota nasceu saudável, com 49 centímetros e 3,6 kg.
Mãe de oito filhos, Eliane conta que após essa gravidez teve um abordo natural, perdeu um bebê no terceiro mês de gestação. O médico disse que ela teria que esperar um tempo para engravidar, três meses depois eu estava grávida novamente. “Na outra gravidez fiquei mais atenta, pois tinha medo de acontecer de novo. Qualquer dor que eu sentia ia para o hospital, cheguei a ir duas vezes e chegou lá não era nada, a médica dizia que não estava na hora e eu voltava para casa”.
SAUDADE
O aposentado Renato Gusman Filho, guarda há mais de 40 anos um poema chamado “mensagem de saudade”, de autoria desconhecida. O texto é dedicado a uma mãe e ao ler, ele se recorda da sua.
“É uma mensagem linda, que fala fundo no coração de nós filhos. Bom, eu tenho um cômodo onde guardo poesias, sonetos, reportagens. Se aproximando do dia das mães, encontrei em uma pasta este texto. A mensagem me recorda minha santa mãe, que faleceu há muito tempo. O nome dela era Edra Carvalho Gusman, nascida em Manhuaçu. Ela era apaixonada comigo e muito cedo eu sai de casa para trabalhar no Banco do Brasil, em São Paulo, e ela ficou chorando. Toda a vez que faço a leitura desta mensagem me vem lágrimas nos olhos, porque a nossa mãe é o que há de mais sublime em nosso íntimo”, emociona-se.
Traje História: amor de mãe, amor de filho, amores incondicional
Quando te dão o veredicto de câncer, no momento seu mundo cai, desabada na hora, passa um filme inteiro na sua cabeça. Só que eu sempre fui de muita positividade, muito confiante, muita coisa, então de me abater e chorar foi só nesse dia. A vida segue normalmente, você pensa que a partir dali sua vida vai mudar, vai ser outra coisa, que você vai ter que mudar isso ou aquilo, mas continua a mesma coisa. O que foge ao dia-a-dia mesmo são só os dias de fazer quimioterapia, e alguns que o paciente passa mal, que são efeitos do tratamento. O que ajuda muito é o fato de querer tornar o dia normal e fazer com que seja, isso ajuda muito o paciente. Você mostra pra pessoa que a gente continua vivendo as mesmas coisas: estudando, trabalhando, acorda, dorme, dirige, compra, come, bebe, dorme. Não tem essa de lamentar por estar com câncer. Uma coisa que minha mãe falou comigo: Se tivessem me falado que estou com uma doença que não tem cura, eu estaria mal, desesperada, mas câncer tem tratamento, então vamos lutar, fazer o que precisar. A quimioterapia deixa a pessoa bem debilitada, é muito enjôo, dor de cabeça, perde de apetite. A primeira quimio dela foram uns cinco dias passando mal, na segunda já foram uns quatro ou três, na terceira em diante ela já estava de boa, levantando cedo pra buscar minha irmã na escola, vivendo normal. Depois de um tempo você percebe que eu posso morrer atropelado na rua, que ninguém tem garantia que vai viver mais que uma pessoa que tem câncer. Ela já fez quatro sessões de quimio, ainda faltam umas oito, e depois vem a radioterapia. O bom é que ela está respondendo muito bem ao tratamento, ela está muito forte. As pessoas ao redor não a tratam como doente, mas como sempre foi. Acho que isso gera uma força nela também. Uma coisa que aprendemos juntos é que quem fazer alguma coisa simplesmente faz. Não tem essa de falar que pode chamar para o que precisar, porque a pessoa não chama. Ela faz quimio às quartas-feiras, então eu esperei todo mundo dormir raspei o meu cabelo na madrugada de terça, porque eu iria com ela no dia seguinte. Lembro que meu pai foi me acordar, ela estava na cozinha tomando café. Quando me viu ela disse que tinha pedido pra ninguém fazer isso, mas que estava lindo. Depois disso ela saiu de perto. Quando eu fui lá pra varanda ela estava chorando, eu não entendi na hora, mas imagino que isso tenha tocado ela. Eu fiz isso pra mostrar pra ela que perco cabelo, perco tudo, estou do seu lado de qualquer jeito. Que eu amo muito mais a sua vida do que um simples cabelo. Não sei se o impacto é tão grande por eu ser homem, que é mais fácil raspar o cabelo, mas eu fiz de coração. Foi uma forma de mostrar que estou aqui pra ela. Se pudesse, eu tomaria o câncer dela pra mim, sem pensar duas vezes, mas eu não posso. Então os pequenos gestos fazem diferença. Ela não quis usar peruca, usou uma vez, mas preferiu assumir a fase. Hoje ela usa uns turbantes. Ela é linda e fica ainda mais bonita com eles, fica estilosa. Cada um tem a sua forma de lidar com a situação, mas ela quis assumir. Hoje dentro de casa ela não usa nada, mas antes não os tirava nem pra dormir. Agora ela até já faz piada sobre isso. Ela está pensando no caso (e eu to botando muita pilha) de sair sem nada, mas pessoas ainda se assustam em ver uma mulher careca. Uma coisa que eu posso dizer é que a gente não deve forçar a barra. Deixa a pessoa fazer tudo no tempo dela. Cada um aceita as coisas de uma forma diferente, então você apoia o que ela decidir. Por exemplo, eu boto muita pilha nos turbantes da minha mãe. Às vezes passo nas lojas de tecido e procuro algum com estampas indianas ou africanas e compro pra ela. A pessoa sempre vai ficar feliz por você ter lembrado dela despretensiosamente. Eu escrevi pra ela uma vez (que até é uma música do Criolo) que por mais que eu tente explicar, eu não consigo tornar concreto o abstrato que eu sinto, que não tem nada no mundo que coloque no papel ou na fala o que eu sinto por ela, que é muito grande. Mãe, estou do seu lado até tudo acabar. Pode ficar só a gente e o mundo vazio (e uns zumbis correndo atrás da gente) que eu estou ali por ela. Sabe, eu sinto que ela é a pessoa que mais me ama. Isso me dá muita razão para viver.
Me chamo David.