Artigo

“Solidariedade ainda que tardia”: relato sobre as enchentes e o “Restaurante Aromas”

Esse texto será em primeira pessoa, pois não tem como ser diferente. Entre a madrugada de quinta-feira (18) e a madrugada de sexta-feira (19) da última semana, várias cidades da região do Caparaó amanheceram com pontos de alagamento. A Defesa Civil emitiu um alerta sobre a possiblidade de transbordamento do rio Manhuaçu. Com medo de o ocorrido resultar em uma nova enchente catastrófica como a do ano passado, vários estabelecimentos de Manhuaçu, principalmente da região central, resolveram, com antecedência, tomarem atitudes.

No ano passado, o Restaurante Aromas que fica na rua da antiga feira (como muitos ainda chamam a Rua Desembargador Alonso Starling) sucumbiu às águas, ficou praticamente submerso e, numa tentativa de reerguer-se, acabou assaltado covardemente durante uma tentativa de angariar fundos. Tudo isso falou muito sobre quem somos como sociedade, e também sobre como nos importamos uns com os outros.

Esse ano, o restaurante que tem uma culinária mineira deliciosa e que sempre esteve no mesmo local mesmo depois do ocorrido, viu-se novamente em um impasse. Rapidamente, “viralizou-se” nas redes sociais uma publicação onde os diretores do restaurante pediam para que fosse dada prioridade ao mesmo, pois estariam esvaziando o ponto e, com marmitex’s já produzidas, gostariam de repassá-las o mais rápido possível.

Eram onze horas da manhã e em meio a diversos avisos da defesa civil, de várias pessoas sendo dispensadas para voltarem para suas casas, a cidade de Manhuaçu ganhou um tom caótico parecido com um cenário de guerra.  Entre uma chuva de mensagens, verdadeiras ou não, por todo WhatsApp, a imagem que ilustra esse texto tocou-me profundamente. Na imagem publicada em um “stories” do Instagram, alguém pedia ajuda para que déssemos prioridade ao “Restaurante Aromas”, pois o ponto precisava ser esvaziado mediante ao risco eminente da enchente. A mensagem dizia ainda sobre um preço único no valor da marmitex e rapidamente se espalhou em forma de corrente. Ao ser dispensado do meu trabalho decidi passar pela restaurante e adquirir o almoço.

Ao chegar ao endereço para pelo menos retirar duas marmitex, o que vi surpreendeu-me positivamente. O mesmo estava com várias pessoas do lado de fora esperando também para retirarem seus almoços, olhei para dentro do restaurante e uma fila fazia-se presente no caixa para pagamento do delicioso almoço. Ninguém sabia quando a água chegaria até ali, ninguém tinha noção também da quantidade de água que poderia chegar, mas essas pessoas estavam lá.

De acordo com o DATAFOLHA em pesquisa realizada em outubro de 2020, cerca de 96% dos brasileiros desejam ser mais solidários. Esse dado contrasta ou vai de encontro com o dado do IDIS (Instituto para o Desenvolvimento Social) que divulgou um ranking onde, em 2018, o Brasil caiu 47 posições no questionamento sobre os países mais solidários do mundo. Querer não é ser, é claro. Mas qualquer e todo gesto importa, é isso que vamos e devemos deixar ao mundo. É claro que a pandemia do ano de 2020 pode ter interferido nos dados, mas creio que não.

Não tenho conhecimento do fluxo de um dia normal do restaurante, também não saberia dizer se realmente a postagem surtiu efeito a ponto de salvar aquele dia de trabalho dos profissionais. Mas uma coisa é certa: ainda há esperança. Esperança que versa e contradiz àquela perdida após aquele assalto ao restaurante após dias de assolamento por uma enchente, esperança mais vívida sobre qualquer dado que corrobora com a ideia de que não somos tão dignos de orgulho e solidariedade assim.

Já se faz gigante o fato de eu ter recebido diversas vezes a mesma mensagem, enviada por pessoas diferentes, avisando do que o restaurante carecia. É ainda mais bonito sentir que a mensagem surtiu efeito em uma quantidade considerável de pessoas. O mundo precisa de gente que se importa, de gente que não menospreza a dor do outro. Esse, talvez seja o mais amplo e ao mesmo tempo o mais reduzido, significado de empatia.

Marllon Bento

Jornalista, Assessor de Comunicação

e Produtor Audiovisual.

Diário de Manhuaçu

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