*Eugênio Maria Gomes
Enquanto o palestrante-autoridade se dirigia ao local reservado para o evento, fomos nos acomodando nos lugares disponíveis. Eu estava acompanhado de uma professora, uma autoridade de fato e de direito. O encontro foi profícuo, a palestra proveitosa e o palestrante nos pareceu uma pessoa relativamente simples e acessível, em flagrante contraste com todo o aparato que havia sido deixado do lado de fora do prédio.
Terminado o encontro, nos dirigimos para a saída do prédio. Assim que atingimos a calçada da rua principal, percebemos que o trânsito estava bastante complicado. Minha amiga, professora-autoridade, deveria esperar por sua condução e eu fiquei ali com ela, batendo um papo, enquanto assistíamos àquela movimentação. É que, em frente ao prédio, em uma vila, os carros da comitiva do palestrante estavam sendo estacionados e a fila na rua era por conta da demora natural de ocupação do espaço.
Em pouco tempo tudo voltou ao normal, com o trânsito fluindo normalmente. Do ponto em que estávamos, víamos a vila por inteiro, e nela os quatro carros da comitiva do palestrante- autoridade que a ocupavam. Carros grandes e pretos, de luxuosos modelos, dotados de vidros extremamente escuros, dirigidos por motoristas muito bem fardados. Pelo que conseguimos decifrar, um ou dois dos veículos deveria estar destinado ao palestrante e à sua pequena comitiva e, os demais, provavelmente, rodavam apenas com os motoristas, como forma de driblar qualquer tipo de contratempo.
Porém, eis que surge o inesperado, que associado à falta de previsibilidade da segurança responsável, fez com que o trânsito ficasse, de fato, caótico. Um carro modelo Gol parou na rua, em frente à vila e buzinou. Era uma moradora da última casa, precisando estacionar o seu carro. Ela saíra mais cedo, tranquilamente, sem saber sobre qualquer necessidade de ocupação da vila e ao voltar a encontrou entupida de carros pretos, numa fila que mais parecia um cortejo fúnebre. Não deu outra: buzinou, buzinou e buzinou. Um a um os carros pretos foram deixando a vila – alguns de ré, outros de frente -, causando a maior confusão na rua, para que a moradora, em seu carro modelo Gol, pudesse ocupar a vaga ao final da vila onde residia. Nada mais justo. Não fazia o menor sentido deixar uma senhora, com o carro cheio de compras, sem o seu estacionamento.
Logo após a entrada do proprietário, os carros da comitiva foram reconduzidos ao local. Não foi uma tarefa muito simples, até porque, ficou claro que havia uma ordem de posicionamento dos carros a ser cumprida. Passados alguns bons minutos, o trânsito ganhou fluidez novamente. Minha amiga esperou mais um pouco, tomou a sua condução e eu prossegui o meu caminho, rumo ao estacionamento especialmente destinado a este fim, cuja utilização se dá a partir do pagamento de uma pequena quantia ao seu proprietário.
Por falar em pagamento, é bom que se diga que nós, também, pagamos altas taxas tributárias, que permitem manter todo aquele aparato utilizado para levar o palestrante-autoridade ao encontro. E ai de nós se ousarmos causar qualquer transtorno, até mesmo menor, como aquele causado ao trânsito, naquele dia, em virtude da presença daquela autoridade.
Ainda bem que, de vez em quando, aparece um ou outro carro, simples como os nossos, para dar trabalho a essa turma. Sempre é possível que apareça um Gol contra a ostentação.
*Escritor e funcionário da Funec