José do Carmo Veiga de Oliveira
Nos de 1988, ocorreu o ajuizamento de uma ação civil pública na comarca de Mira Estrela, Estado de São Paulo, por meio da qual o Representante local do Ministério Público entendeu de impugnar uma decisão interna da Câmara Municipal do referido Município, sob o argumento de que o “aumento do número de cadeiras à Câmara Municipal não atendia os critérios de representação proporcional ao número de habitantes x número de Vereadores”, vez que passou de 09 para 11 Vereadores para as eleições municipais de 1988.
Assim, depois dos trâmites de estilo, houve a interposição de recurso extraordinário, por meio do qual o Supremo Tribunal Federal, além de reconhecer a desproporção entre os critérios representatividade x número de Vereadores, reduziu para 09 o número de representantes junto à Câmara Municipal e, para preservar a soberania popular, decidiu, igualmente, aplicar a modulação dos efeitos dessa decisão, nos moldes ditados pela Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999 (art. 27), que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Assim, para efeito de respeitar a soberania popular quanto aos mandatos dos vereadores eleitos e em curso de seus respectivos mandatos, postergou-se a vigência da referida decisão, ou seja, produzir efeitos pro futuro ou, ainda, prospectivos.
No entanto, o que se fez a partir desse julgado, foi o que se chama de abstrativização dos efeitos da decisão. Isso significa, em linguagem simples, que em se tratando de controle difuso de constitucionalidade, deveria se aplicar o efeito da respectiva decisão no que se chama de efeito inter partes, significando que produziria efeitos apenas entre as partes litigantes, característica própria da ação em que se discute objetivo relativo às partes litigantes, exclusivamente.
De outro lado, nas ações declaratórias de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, as decisões proferidas têm efeito erga omnes, ou seja, extrapola o limite de interesses outros, já que se trata de processos de caráter objetivo, quer dizer, lidam esses pleitos com interesses específicos, alcançando a todos indiscriminadamente. É o que se chama após a Emenda Constitucional n. 45, de efeito vinculante, submetendo a todos, portanto, a referida decisão, com exclusão apenas do Poder Legislativo, que pode editar uma nova lei esvurmando o vício anteriormente reconhecido no ato de julgamento proferido.
Mas, o ponto de observação deste texto é o que se refere, às claras, quanto aos efeitos da decisão proferida pelo STF em algumas ações, desde a de Mira Estrela, em sede de ação civil pública, onde tem, sistematicamente, adotado o efeito abstrato, tratando todas as decisões como se proferidas em sede de controle abstrato, não distinguindo mais entre controle difuso e concentrado.
Isso implica concluir, obrigatoriamente, que não há apenas a questão relativa aos efeitos, se controle difuso ou concentrado. Está se aplicando a qualquer dos dois únicos tipos de controle de constitucionalidade – difuso ou concentrado – o mesmo tratamento, desconsiderando-se quanto ao disposto na disposição constitucional do artigo 28, da Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999, que assim edita, litteris:
“Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.
Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal”.
Confirma-se, pois, a exclusão do Poder Legislativo, exatamente em virtude de sua competência legiferante, podendo suprimir ou editar nova lei com outro conteúdo que não padeça de inconstitucionalidade.
Ademais disso, o artigo 27, do mesmo diploma legal, estabelece que ao “declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.
Isso nada mais representa que conceder poder político à Suprema Corte Brasileira, deixando ao seu nuto e alvedrio situações tais em que podem ser concedidas ou não, em sendo observados os critérios fixados, ao sabor dos seus intérprete.
Mas, voltando à questão dos efeitos, é de se acolher o disposto no inciso X, do artigo 52, da Constituição, de 1988, ao decidir pela inconstitucionalidade nos termos do disposto no art. 25, da Lei n. 9.868/1999, ao se expedir comunicação ao Senado Federal para que promova a publicação da declaração de inconstitucionalidade da lei, com o objetivo claro e específico de “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.
Desta forma, ao se declarar a inconstitucionalidade de lei em sede de controle difuso, quando deveria produzir os efeitos inter partes, está-se aplicando o efeito vinculante, típico do controle de inconstitucionalidade de lei e, assim, numa mudança radical da própria norma constitucional inserta no inciso X, do artigo 52, da CR/1988, sem que tenha ocorrido qualquer mudança no Texto Constitucional, o que é possível exclusivamente por meio de Proposta de Emenda Constitucional, submetido ao princípio do devido processo legislativo, pelo Poder Constituinte Derivado (revisão a cargo do Congresso Nacional – art. 60 – CR/88).
É a isso, portanto, que se tem chamado de abstrativização do efeito difuso, quando deveria ser exatamente o efeito inter partes. Isso significa, nas próprias palavras do Ministro Luís Roberto Barroso que “O ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas, para ir além do legislador ordinário. Trata-se de um mecanismo para contornar, bypassar o processo político majoritário quando ele tenha se mostrado inerte, emperrado ou incapaz de produzir consenso”. (JUDICIALIZAÇÃO, ATIVISMO JUDICIAL E LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA – Min. Luís Roberto Barroso – in www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf).
A questão não se vincula, portanto, ao legislador ordinário. Ultrapassa em muito a sua atuação, a partir do momento em que o próprio Legislador Originário, aquele escreveu a Constituição e a fez dessa ou daquela forma, mas, seja boa ou não, somente via Proposta de Emenda Constitucional é que se poderia alterar seu texto, o que está afeto ao Poder Legislativo pelas suas Câmaras Alta e Baixa e não tomar, nas próprias mãos, uma prerrogativa ou competência que não se encontra à disposição do Poder Judiciário. A isso se tem rotulado, nos últimos tempos, de ativismo judicial.
Do que mais se tem padecido nos últimos tempos, em face da inobservância frequente desse princípio.