*Eugênio Maria Gomes
Estamos no Tempo do Advento e, daqui a cinco dias será Natal. Na memória, me vem a lembrança desse mesmo tempo vivido nos anos anteriores, quando a preocupação que pautou meus escritos, então, foi a de que não ficássemos presos às compras, aos presentes, às fartas ceias, mas sim, que nos lembrássemos do outro, do abraço, do carinho, do perdão, da confraternização em família, do compartilhamento do calor humano.
E aqui estou, em plena pandemia, para sugerir a todos que continuem evitando gastos desnecessários com natais suntuosos, com ceias exageradas, daquelas que fazem o pernil perdurar por dias na geladeira e as latas de lixo serem entupidas por sobras de comida. Porém, preciso completar: dessa vez, nada de abraços, nada de confraternização com várias pessoas, nada de compartilhar calor humano através do toque, do beijo, de demonstrações físicas de afeto.
O momento, agora, exige de nós o maior distanciamento possível. Vamos compartilhar emoções, carinho e amor pelo telefone, pelas videochamadas ou através da janela e da soleira da porta. Não podemos presentear quem amamos com a doença, com o sofrimento.
Essa semana circulou uma mensagem nas redes sociais, na verdade um desabafo, da psicóloga Larissa Figueiredo, que atua no CTI do Hospital Felício Roxo. Em um dos trechos mais dramáticos de seu relato, ela diz: “Entro no box acompanhando o médico que calmamente e com muita segurança explica ao paciente que as medidas ventilatórias não invasivas foram insuficientes… o paciente já sabe com o que está lidando: ‘deixa eu conversar com minha família antes?’. Videochamada. Anota aí a senha do banco, avisa nossa filha que amo ela demais. O carnê do plano funerário tá na segunda gaveta da minha mesa. Ainda não paguei a rematrícula da escola. Rezem por mim, serei intubado”.
E ela continua a relatar os momentos dramáticos que vive o paciente e a equipe médica, sem poder precisar se aquele paciente conseguirá ser extubado, se precisará de uma traqueostomia, se conseguirá sobreviver e passar por tratamentos muito dolorosos, e voltar ao convívio dos seus.
Tocou-me fundo esse relato, esse desabafo da psicóloga. Eu também tive parentes e amigos lutando pela vida e sofri juntamente com seus familiares. Eu também chorei a morte de pessoas muito queridas e não posso sequer imaginar que eu possa ser o agente causador de uma dor desta para alguém, simplesmente porque não pude ou não quis passar um Natal com um pouco mais de distanciamento.
Há anos comemoro o Natal da minha família, em minha casa. São sempre mais de cinquenta pessoas, entre tios, irmãos, sobrinhos, cunhados, genros e amigos mais próximos. Esse ano, nem pensar. A tradição terá de ser quebrada e me arriscarei, no máximo, a comemorar com o meu núcleo familiar, com os que estão mais próximos, com os quais convivo diariamente, ainda assim tomando todos os cuidados para não me contaminar e não contaminar ninguém.
Será doído para nós? Com certeza. Mas será também uma boa penitência, um sacrifício que ofereceremos pelos que estão sofrendo por conta dessa pandemia: milhares de pessoas nas enfermarias, buscando a recuperação; pessoas nas UTIs, lutando pela vida; pessoas adoecendo por acompanhar e tratar tantos doentes; pessoas chorando a morte de um ente querido; milhares de pessoas que passarão um Natal muito mais triste do que o nosso, já que não poderão simplesmente postergar um abraço… Milhares de famílias não poderão voltar a abraçar algumas pessoas, pelo real motivo de não estarem mais aqui, nem próximos, nem longe, mas na dor de uma saudade que não tem fim.
Neste Tempo do Advento, enquanto esperamos o nascimento de Cristo, elevemos a Deus as nossas preces, para que a vacina ou algo que amenize tanta dor chegue breve. Aproveitemos para aglomerar corações. FELIZ NATAL!
- Eugênio Maria Gomes é escritor e funcionário da Funec.