Após implantar projeto na comarca de Araçuaí, juiz Jorge Arbex quer trazer iniciativa para Caratinga
CARATINGA- Um programa de recuperação e reeducação voltado para homens que tenham praticado violência doméstica, que nasceu na comarca de Araçuaí e está em processo de implantação na comarca de Caratinga.
O autor do Restaurar – Programa Multidimensional de Atendimento ao Agressor, juiz Jorge Arbex, titular da 2ª Vara Criminal e da Infância e da Juventude desenvolveu o projeto na localidade onde atuava, em meados de 2020 e após assumir a titularidade da vara em Caratinga, está articulando parcerias junto aos municípios.
A iniciativa está de acordo com os incisos VI e VII do artigo 22 da Lei Maria da Penha, incluídos em abril de 2020. Pelo dispositivo, constatada a prática de violência doméstica, o juiz poderá aplicar, em conjunto ou separadamente, as medidas protetivas de comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação e seu acompanhamento psicossocial, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio
Atualmente, a 2ª Vara Criminal e da Infância e da Juventude de Caratinga tem um acervo de 4.648 processos em andamento (infância e Maria da Penha). São 2.038 inquéritos policiais e 1.394 ações penais em andamento. Somente nos primeiros meses de 2023, pelo menos 200 medidas protetivas aplicadas. Com a aplicação do programa, a expectativa é de que a reincidência diminua e que o agressor possa conviver melhor em sociedade.
Confira os detalhes do projeto na entrevista:
Como se deu a iniciativa de implantar o Restaurar em Araçuaí?
Eu trabalhava na comarca de Araçuaí e em 2019-2020, veio a pandemia e vi a necessidade de um tratamento diferenciado dos conflitos relacionados a violência doméstica. Atuamos nos processos, tem denúncia, inquérito policial no início, investigação, audiência, condenação ou absolvição, só que tratar os problemas sociais desta forma, trata o problema jurídico, mas, não resolve o problema humano por trás do processo. Com isso, houve uma alteração legislativa, na Lei Maria da Penha, em que o legislador nos trouxe a necessidade de que os supostos agressores sejam inseridos em programas de atendimento social, psicossocial, sendo atendimentos individuais e coletivos. Criei o Restaurar, programa de atendimento multidimensional na violência doméstica. Começamos engatinhando em 2019, junto com os seis municípios da comarca de lá, os municípios de Araçuaí e Itinga cederam uma psicóloga e começamos a trabalhar, sem saber aonde chegaríamos. Hoje, o projeto lá está maduro, então, com minha vinda para Caratinga pretendo implementá-lo aqui juntamente com as prefeituras. Não é possível trabalhar sozinho uma patologia social, que é a violência doméstica. Estou buscando trabalhar junto com as prefeituras essas medidas e esse projeto tem uma aceitação social muito grande, os supostos agressores aderem, trazem testemunhos e a gente começa em 28 de junho com a primeira audiência admonitória. São muitos processos, mais de 100 a 150 até lá, já foram muitos processos sentenciados, em que foram aplicadas medidas de acompanhamento pelo Restaurar.
Quais são os envolvidos no projeto?
Inicia-se com uma gestão compartilhada de esforços, o judiciário não é o executor originário de políticas públicas, porém, pode dar traços novos, contribuindo com o gestor público, o Poder Executivo Municipal para a concretização desse programa. De início, o Tribunal de Justiça, no caso, a Vara da Violência Doméstica junto com os poderes executivos municipais, aqui na comarca são 11 municípios, com uma audiência admonitória junto com o Ministério Público, Defensoria Pública, Delegacia de Polícia, Polícia Militar, então há uma rede formada com os técnicos de cada município destacados para isso, então, haverá criação da rede Restaurar, que irá atuar de forma multidimensional nos conflitos relacionados a violência doméstica, juntamente com o promotor de Justiça, que começa o processo criminal, também com a Polícia Civil que faz a investigação e a Polícia Militar, que faz o acompanhamento da situação. OAB também é um órgão importante porque passa por todos os processos e participa ativamente do Restaurar, em uma reunião final em que há como se fosse a diplomação daqueles que passaram pelo programa.
Quais são as etapas do Restaurar? E a participação do suposto agressor é obrigatória?
O programa em si não tem um modelo fechado, porque cada pessoa tem que ser acompanhada de certa forma. Mas, uma forma de acompanhamento geral é iniciando com a audiência admonitória em que a gente acolhe, mas, explica a necessidade desse programa. A partir do momento da aplicação de uma sentença, o programa torna-se obrigatório, não que a gente vá fazer uma condução coercitiva, mas, se não houver comparecimento ao programa e essa obrigatoriedade foi inserida em uma sentença de medida protetiva, há o descumprimento de medida protetiva, que é um crime previsto na Lei Maria da Penha. Tem um trabalho inicial individual, que é uma entrevista, em que o assistente social do município ou psicólogo vai entrevistar aquela pessoa, inseri-la depois em determinados grupos que ele vai destacar segundo características de cada pessoa e vai trabalhar em grupos reflexivos, atendimentos em conjunto, se necessário também individuais. E, uma palestra final com autoridades.
O senhor tem dados sobre redução da reincidência em relação aos participantes do Restaurar em Araçuaí?
Além da violência mesmo, a agressão dentro das famílias, um dos maiores problemas da violência doméstica tem sido também a reincidência. Em Araçuaí, aferindo 173 pessoas que passaram pelo projeto, consegui chegar nos primeiros 100 a nenhuma reincidência, analisando a certidão de antecedentes criminais. Depois, dos 173, tive um reincidente. Em geral, as pesquisas trazem que a reincidência supera 50%, 60%, 70% a depender do local. O programa visa isso, combater a reincidência na violência doméstica, porque aquele agressor com os problemas, as feridas que o mundo lhe trouxe, acaba levando isso para a casa, onde ele deveria desfrutar do amor. Vira agressor dentro da família. Se ele não fizer uma terapia por um tempo para restaurar a família e ressignificar a visão de mundo dele, ele vai continuar, seja naquela família se ele voltar para ela como novas famílias, continuar com o mesmo comportamento. Então nossa busca né não só um direito penal punitivo, mas, restaurando e ressignificando essas famílias, por intermédio daquele que chegou ao judiciário como agressor.
Como está a articulação com os municípios da comarca de Caratinga?
Terça-feira passada fiz a reunião com os representantes dos 11 municípios, estiveram no gabinete, um município já até decretou a adesão ao Restaurar, os demais estão em processo de conversa. Em Caratinga, vou ter uma reunião semana que vem com o prefeito para explicar para ele mais o projeto, já expliquei para a procuradora do município. É uma novidade, ainda não deu tempo de maturar projetos dentro dos municípios devido à pandemia. Destaco que não há um aumento de custos para nenhum dos municípios, porque a gente trabalha com elemento humano que os municípios já têm, aquele assistente social e psicólogo que já trabalha lá e nos municípios sede a gente precisa que haja a cessão desse servidor pra nós. Ressalto que não há aumento de custos para iniciar esse projeto tão importante. Essa é uma inovação, um diferencial do sistema que conseguimos construir lá em Araçuaí. O Tribunal de Justiça está ampliando o projeto, o Restaurar vai se tornar um projeto institucional para que, com interlocução com os 853 municípios mineiros para que, a partir da contratação de uma startup haja um gerenciamento estadual do projeto com acesso a site, aplicativos de celular, com outras funcionalidades.
Promotor elogia iniciativa
Juarez Serafim Leite, da 2ª Promotoria de Justiça de Caratinga acompanha a implantação do projeto na comarca e enfatiza a importância da iniciativa. “Esse projeto que está sendo trazido para a comarca, ainda não tínhamos no âmbito da violência doméstica com esses moldes, com essa abrangência. Vai trazer muitos benefícios no tratamento da questão da violência doméstica, principalmente porque hoje, nós que atuamos aqui na ponta, diariamente, conhecemos casos, as circunstâncias de como eles acontecem é muito relevante que dentro da questão da violência doméstica seja tratada tanto a mulher, que é vítima para conscientizá-la dos seus direitos, como também o agressor, para que ele entenda e se conscientize de que aquilo que ele está fazendo, está sendo violento, agressivo e para que ele mude o papel, senão não conseguimos quebrar o que a gente chama de ciclo da violência, porque se a gente só aplica a pena, mas, não tem um projeto voltado a conscientização do agressor, ele termina um relacionamento, a gente consegue que aquela mulher saia do ciclo, mas, quando ele iniciar um novo relacionamento, provavelmente vai iniciar um novo ciclo de violência contra uma nova vítima. Então, esse projeto tem essa relevância de trazer essa conscientização de trabalhar o agressor para que ele entenda qual é o impacto da conduta dele, as consequências e possa por vontade própria criar esse ciclo e sair dessa situação”.