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O MENINO IMORTAL

O MENINO IMORTAL
*Joséllio Carvalho

Era o dia 5 de junho de 1998 quando nasceu um menino muito especial. Um lar normal como muitos outros poderiam imaginar: seus pais eram produtores rurais no interior de Minas Gerais (batalhadores na pecuária leiteira), uma irmã com dez anos de idade (muito lindinha e valente) e um irmãozinho com seis anos (muito inteligente e determinado).
O menino era, como se dizia, a “rapinha do tacho”. Tinha muita saúde e ia crescendo naquele ritmo que só quem viveu na roça sabe: contato com a natureza, vivendo daquilo que a terra produz e tendo uma bela harmonia familiar.
Era uma criança muito ativa, brincava de tudo e com todos. Tinha um apego grande com a irmã mais velha, que tomava conta dele enquanto os pais labutavam no campo. Às vezes, até balbuciava um ‘mamãe’ despercebidamente, mas de todo coração.
Com o irmão do meio, aprontava travessuras e brincava de futebol todos os dias. Eram Romário e Ronaldinho juntos nas tardes bonitas naquela terra abençoada. Era goleada de felicidade toda vez que brincavam.
A vida seguia seu curso normal até que, por um acontecimento fortuito, ele foi morar na cidade junto da mãe e a irmã mais velha, que foram cuidar da avó e da bisavó, com idades avançadas. O irmão do meio ficaria com o pai continuando a trabalhar na roça.
O caçulinha ficava dividido: gostava de ser bajulado e receber carinho da irmã, da mãe, da avó e da bisavó, mas também gostava de ajudar o pai na lida com as vacas e de brincar com o irmão. Foi tentando se equilibrar nesse meio de campo, passava um tempo na cidade, passava um tempo na roça. E assim, já iria demonstrando uma grande qualidade: conseguia ter tempo para estar presente com todos que amava.
O tempo foi passando e a vida seguindo seu fluxo natural. A irmã mais velha e o irmão do meio foram estudar fora e ele, no alto de seus 14 anos, já era responsável por cuidar dos mais velhos e auxiliar no serviço dos pais. Reza a lenda que, nessa idade, já pilotava motos, carros, caminhões, tratores e o que mais aparecesse em sua frente.
Nos estudos era sempre destaque na escola, tanto na escola da zona rural, tanto quando se mudou para a escola da cidade. Sempre com notas cima de 90%. E isto era incrível, porque não se via o menino debruçado sobre livros. Fora da escola, só se via o garoto trabalhando, seja na roça ou na cidade. O segredo dele era fazer a lição de casa na própria escola! E aproveitar o trajeto que o ônibus escolar fazia para revisar as matérias. Essa habilidade de conciliar estudo e trabalho, desde tenra idade, seria fundamental para sua vida.
Quando a irmã mais velha tinha 23 anos, já com curso superior, sendo uma mulher independente e muito bonita, resolveu apresentar o namorado para a família. Nosso protagonista, no vigor de seus 13 anos, comportou-se como pai da moça e, esperto como ele só, disse que a moça só podia sair de casa se ele fosse junto. O cunhado não teve outra alternativa a não ser aceitar os desígnios do “mini-pai”. Logo, a convivência entre ele e o cunhado foi se aprimorando e acabaram por tornarem-se irmãos um do outro.
Da rapaziada de sua geração ele era o líder nato. Aos 17 anos, era alto, moreno, cabelos lisos, olhos acastanhados e dentes perfeitos, que emolduravam um sorriso capaz de derreter os corações de todas as garotas da região. Era quem organizava jogos de futebol com os amigos (as tradicionais peladas), corridas pela avenida principal da cidade, idas na academia e as saídas para os barzinhos à noite. Participava de grupos juvenis, como “Encontro de Jovens com Cristo” e “Ordem DeMolay”. Era tão popular que poderia até ser vereador, diziam os vizinhos.
Nessa idade, tinha uma tripla jornada: de manhã, cursava o terceiro ano do ensino médio; à tarde, trabalhava no comércio da cidadezinha onde morava; à noite, estudava num curso técnico de eletrotécnica numa cidade vizinha. Rotina pesada: acordava às 6:30h e tinha aulas de 7h às 11:30h na escola. Ao meio dia, começava no serviço e ia até 17h. Às 17:30h pegava o mesmo ônibus que levava os universitários para a cidade vizinha e tinha aulas no curso técnico de 19h às 23h. Chegava à sua casa por volta das 00:30h ou 01:00h da madrugada. Quando o ônibus quebrava ou alguém se atrasava, podia chegar bem mais tarde. Para adiantar a rotina, costumava chegar em casa, tomar banho e dormir com tênis, calça jeans e uniforme da escola, para não perder tempo na manhã seguinte.
Apesar da correria, ele conseguia tempo pra tudo. Não deixava de viver sua juventude. Mas gostava mesmo era de estar com sua família e seus amigos. Apesar da diferença de idade dele e da irmã mais velha, comportava-se como pai dela. Vigiava e dava bronca nela, desde que ele tinha 6 anos e ela 16. Quando tinha 17 anos, já era maior que o irmão do meio (que tinha 23) e sempre ganhava dele no futebol (tanto na vida real quanto no videogame), além de aplicar-lhe alguns golpes de UFC nas tradicionais “lutinhas entre irmãos”. O irmão do meio apanhava, mas gostava de ver como o caçula tinha crescido e se desenvolvido tão rápido.
Aos 19 anos, já tinha sua própria empresa ligada ao ramo de eletricidade e era requisitado por todos na cidade e na região. Avançou mais um pouco e entrou no ramo de conserto de consultórios odontológicos. Aí começou a ver todos os seus esforços sendo reconhecidos financeiramente: conseguiu comprar sua própria moto e seu próprio carro. Mas a realização profissional veio quando surgiu o convite para ser operador de usina hidrelétrica. Era o seu sonho. Estudou dias, noites e madrugadas adentro para isso. Era apaixonado por eletricidade. E, realmente, era eletrizante ver sua paixão. E foi emocionante vê-lo realizar seu sonho.
Na hidrelétrica, entrou no cargo inicial e, com menos de um ano, já teve promoções. Sua irmã mais velha teve uma linda bebê, ou seja, agora ele era tio e estava radiante de felicidade. A vida seguia praticamente perfeita, de vento em popa, como ele mesmo dizia. Até que veio uma manhã de sábado de carnaval…
Naquele dia, não houve folia, pois nosso cavaleiro da alegria, com apenas 20 anos, foi chamado para estar ao lado de Deus. Um incomum infarto fulminante encerrou sua vida terrena. Aquele carnaval não teve as cores dos anos anteriores. Foram lágrimas e perguntas das mais variadas. Como aquilo foi acontecer? Por que justo com ele?
Quando achamos que temos todas as respostas, a vida chega e troca as perguntas, meus caros leitores. Mas a breve passagem deste menino, aqui na mesma dimensão tempo/espaço que nós, certamente nos serve para mostrar valiosas lições: fé em Deus, amor à família, dedicação aos estudos, perseverança no trabalho, curtir a vida junto com os amigos e trilhar a própria jornada sem se preocupar com as críticas alheias.
Quem segue esse caminho, certamente nunca morrerá, pois viverá sempre nas memórias daqueles que tanto cativou enquanto esteve neste plano. E nosso menino agora é imortal, pois seu amor e seus ensinamentos estão marcados eternamente em nossos corações.

* Estas palavras são uma singela homenagem a Silas José Eloy (05/06/1998-02/03/2019), o menino imortal, tio da minha filho e que agora mora junto do Pai Celestial.

JOSÉLLIO CARVALHO é membro fundador da AMLM, jornalista, escritor, pedestre, telespectador e Pai.

Diário de Manhuaçu

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