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SEM PREJUÍZO EFETIVO NÃO SE DECRETA NULIDADE PROCESSUAL: O STF E A LAVAJATO

José do Carmo Veiga de Oliveira

“Disse aos juízes: Vede o que fazeis, porque não julgais da parte do homem, e sim da parte do SENHOR, e, no julgardes, ele está convosco”. (2º Livro das Crônicas, 19:6).

O Direito Processual Brasileiro adotou o princípio originário do Direito Francês de que pas de nullité sans grief, ou seja, somente se decreta a nulidade de um ato processual quando restar comprovado que tenha ocorrido algum tipo de prejuízo à parte que suscita essa matéria à apreciação do Órgão Julgador. O princípio do prejuízo, instituto afeto ao direito processual e originário do sistema jurídico francês sob a égide do Código Napoleônico, nasceu do ideal de se dotar a legislação penal-punitiva de todas as garantias para a manutenção da ordem social e da necessidade de firmar o “eficientismo” persecutório do Estado. Todavia, esse fenômeno se deu sem a preocupação com quaisquer direitos dos acusados e, assim, de modo que o princípio pas de nullité sans grief e os limites da convalidação no processo disciplinar 122 RIL Brasília a. 53 n. 212 out./dez. 2016 p. 121-137 inquisitorial-utilitarista, para a gestão de ilegalidades dos procedimentos punitivos estatais (GLOECKNER, 2010). Apesar de também empregado no processo civil, teve sua gênese no âmbito do direito processual penal. (Disponível em https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/53/212/ril_v53_n212_p121.pdf).
No entanto, o que vimos nas últimas semanas, foi o Supremo Tribunal Federal, proferir uma decisão inusitada: declarar nulidade que, ao “seu” entendimento, teria causado prejuízo a um dos réus da Operação Lavajato, em virtude de não se lhe ter “concedido o privilégio” de falar depois dos seus “delatores”. Todavia, o que se nos foi dado a entender (em virtude da insólita novidade no campo do Direito Processual), é que o alegado prejuízo, efetivamente, não se apresentou no caso concreto e tudo não passou de mera argumentação.
Ademais disso, o que se quis, na verdade, foi “amparar” um argumento que vai “beneficiar” dezenas de réus já condenados na Operação Lavajato, tendo o propósito de “reconhecer” uma nulidade inexistente, partindo-se da premissa de que os “delatores” são, na verdade, “acusadores” e, desta forma, estariam na mesma posição do Ministério Público Federal, já que os “delatados” estão prestando um “serviço à jurisdição penal”.
Respeitosamente, é de se verificar que, numa análise mais aprofundada, não se pode considerar que os “delatores” dos réus na multi-conhecida Operação Lavajato, não passam também da mesma condição de “réus” e, desta forma, não há que se “privilegiar” um em detrimento de outros. A questão é colocar todos no mesmo patamar ou condição de réus, acusados e co-partícipes de uma atrocidade cometida contra a sociedade brasileira, mediante a apropriação escandalosa de bilhões de reais de um País que se encontra às portas da bancarrota em virtude da prática de delitos os mais condenáveis de que já se teve conhecimento ao longo de toda a “estória” deste País, quando teria sido “descoberto” por Pedro Álvares Cabral, com a devida vênia ao Tratado de Tordesilhas, firmado entre Espanha e Portugal, em 1492. Quando retornei à Espanha, em janeiro passado, para prosseguir nos trabalhos de participação em Seminários e Congressos em Porto – Portugal e Salamanca – Espanha – tive a oportunidade de ir a Tordesilhas – Espanha e, assim, fotograr o texto desse Tratado, por meio do qual Espanha e Portugal pactuaram que as terras que fossem descobertas a partir de então, seriam partilhadas entre os dois (2) Países, porque estariam, cada um deles, despendendo elevadas quantias em investimentos para as navegações daqueles tempos, além de todo o “capital político” nessas empreitadas marítimas.
Com tudo isso, o que se constata, efetivamente, que o Brasil foi saqueado em todos os fundamentos dos capítulos que se encontram no Código Penal e nas Leis Extravagantes que tipificam esse tipo de conduta que vai desde a prática do peculato, extorsão, corrupção ativa e passiva, apropriação indébita e todos os demais ilícitos que se encontram no ordenamento jurídico brasileiro.
Os delatores foram imensamente beneficiados com a concessão de “favores” em troca de suas “delações” e, nem por isso, podemos concluir que aqueles que delataram os seus “companheiros” poderiam estar na posição de “acusados” e, por isso mesmo, poderiam ser “beneficiados” com a anulação dos atos processuais que resultaram proferimento de sentenças penais condenatórias.
Retomando os argumentos iniciais deste pequeno conteúdo e que não se pode apequenar em razão de argumentos das autoridades, mas, não querendo, de outro lado, estar sob o manto de “autoridade”, o fato é que não se pode olvidar que inexistiu, às claras, qualquer tipo de prejuízo efetivo a todos os acusados desses processos penais em que se lhes foi estabelecida uma “condenação”. Tudo não passou de uma simples e despretensiosa trovoada sem um pingo sequer de chuva…
Como dito anteriormente, não é o fato de o “andaime de uma obra ter sido montado de maneira errônea que se vai demolir o edifício construído”. Num certo evento jurídico de que participei recentemente, ouvi um palestrante afirmar que uma das causas determinantes do desmoronamento das Torres Gêmeas, teria sido o “excesso de concreto utilizado na sua construção”. Como não sou do ramo da engenharia civil, com os seus cálculos estratosféricos e dos quais não tenho capacidade sequer para alcançar o raciocínio desenvolvido nessa ciência, o fato é que sabemos que pouco concreto ou concreto de pouca consistência em razão de seus poucos “ingredientes”, em medida aquém daquelas que deveriam ser-lhe aplicada, pode sim fazer prédios ruírem, e assim viadutos, sem contar o incomensurável número de vítimas que têm suas vidas ceifadas e famílias destruídas, estradas com uma insignificante camada de lama asfáltica em muito pouco tempo mostrar a sua fragilidade e ciclovias desabando às margens de águas marítimas e matando pessoas, além de finíssimas camadas de concreto nas obras de transposição do Rio São Francisco que não resistiram às forças das poucas águas que se lhe destinaram ou a cobertura do Engenhão, o estádio do Botafogo, e, por aí afora as coisas caminham neste imenso País, sem qualquer possibilidade de responsabilização dos seus “autores intelectuais”, em qualquer ramo do ordenamento jurídico brasileiro e daqueles que se aproveitam desse “mar de impunidades”…
A despeito de todos os argumentos que se possam fazer suscitar nessas circunstâncias, não se pode distanciar do que tem sido manchete em alguns informativos jurídicos – “colaborador não é testemunha, assistente da acusação e nem tampouco é acusado ‘comum’ e, (sabem por quê?) “o delator é, simplesmente, isto: delator”. Ele não desfruta de nenhuma posição processual que não esta, ou seja, não está acima, nem abaixo e nem lateralmente posicionado nos autos da respectiva relação jurídica de direito processual penal, porque ele não desfruta de qualquer tipo de status processual que não seja o de “o de co-réu delator”.
E nessa condição ou posição continua réu, sem nenhuma possibilidade de ser tratado de modo diferente porque a Lei n. 12.850, de 02 de agosto de 2013 (do preâmbulo do texto legal consta o seguinte: “Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal”), não lhe distinguiu no que tange ao aspecto processual, apenas, em específico, concedendo-lhe alguns “favores” em virtude de sua posição de “delator”, como fora Joaquim Silvério dos Reis, no episódio da Inconfidência Mineira.
Logo, a garantia constitucional do devido processo legal não foi inserido no capítulo relativo à Garantia dos Direitos Fundamentais para amparar argumentos que não subsistem nem por si mesmos e nem por criações fantasiosas dos dignos subscritores de suscitações que tais, por mais que se busquem aprofundar em seus escritos.
Esse princípio – devido processo legal – tem o condão de assegurar a todos, que “LV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e, ainda, “LVI – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, da CR/1988).
Alguns anos atrás, foi editada pelo Superior Tribunal de Justiça a Súmula que estabelecia que “o uso de arma de brinquedo por um assaltante seria tipificado da mesma forma que as armas de verdade”, por assim dizer. Em dado momento, um iluminado questionou essa “súmula” perante o STJ e, ao final, depois de alguns debates, esse enunciado, sem força vinculante, foi cancelado e, dessa forma, a Súmula 174, que não foi “legislada” e teve vigência por seis (06) longos anos, qualificando a prática dos crimes de roubo a mão “armada”, embora sem o poder letal próprio das armas verdadeiras, sob o fundamento de que “No crime de roubo, a intimidação feita por arma de brinquedo autoriza o aumento de pena”, de fato nunca poderia ter sido editada, porque essa matéria estava, por evidente, sob o manto do princípio da reserva de lei formal. Isso indica, expressamente, que se trata de um modo de “legislar” sob a ótica do Julgador, que não pode usurpar função expressa do Poder Legislativo Federal, entenda-se, Congresso Nacional.
A despeito disso – cancelamento da Súmula 174 – contrariamente ao que ocorreu nos Estados Unidos – As Trombetas de Gideon – nenhum processo foi anulado por iniciativa do próprio Superior Tribunal de Justiça e todas as condenações fundadas na malsinada Súmula, se foram revisadas, tal medida decorreu de iniciativa das partes interessadas e nunca pelo próprio Sodalício.
Indaga-se: pode o Supremo Tribunal Federal mais que o Superior Tribunal de Justiça para efeito de estender esse “entendimento” a todos os réus presos, processados, julgados e condenados pelas sentenças/acórdãos proferidos nas ações penais decorrentes da Operação Lavajato, elastecendo a legislação vigente que rege a matéria em pauta? E, se, eventualmente, alguém entender que sim, por gentileza, fica a minha súplica: expliquem-me, por favor, porque, a essa altura da vida, talvez não tenha mais condições de fazer desenvolver exercícios de raciocínio capazes de me permitir compreender esse tipo de decisão.

Diário de Manhuaçu

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